A minha princesa Matilde é agora o anjo que sempre foi <3

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No dia em que me conheceste, saltaste para o meu colo. Não era coisa que fizesses a desconhecidos. Alguém disse que eu devia ser muito boa pessoa.

 

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O meu destino cruzou-se com o da tua dona, nessa época. Quatro anos depois, após o divórcio, ela teve que ir viver para Londres e deixou-te comigo, que já era o teu “humano número dois”, porque a viagem seria demais para a tua saúde e a tua idade.

 

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Foste a minha filhota doce, meiga, querida, amiga, sensível, boa e carinhosa durante os anos seguintes.

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Os teus três “manos” perseguiram-te e chatearam-te durante toda a vida, por seres tão vulnerável.

 

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Depois da primeira operação que fizeste, e das seguintes, sentiste o meu amor e protecção de uma forma muito profunda e intensa. Devolveste em decuplicado com os teus miminhos e a tua dedicação.

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Dormias enrolada a mim todas as noites, feliz e segura. Sentia as tuas patinhas agarradas a mim, ouvia as tuas mastigadelas discretas, uma melodia inspiradora que me adormecia.

 

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Seguias-me pela casa, miavas para mim, ronronavas  insistentemente para o teu papá quando acontecia ficarmos sozinhos por momentos.

 

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Tiveste uma existência complicada por causa dos teus companheiros felinos, mas os diálogos que tínhamos, o amor que dávamos um ao outro, a doçura que circulava de mim para ti e retribuías ampliada pelo anjo que eras, essas ficam. Ficarão até ao fim dos tempos, meu amor.

 

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A tua saúde instável foi afectada pelo stress da preparação das mudanças, apesar de todas as medidas de prevenção, dando conta do teu coração e dos pulmões.

 

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Foi tudo terrivelmente rápido. Partiste na clínica, à minha frente.

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Fiquei ainda a beijar-te e afagar-te, minha querida e linda Matilde. Mas já não estavas cá. Até sempre, meu amor, a gata mais doce, meiga, carinhosa e sensível que alguém poderia conhecer.

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Mesmo na rua é preciso respeito            

Cara não muito limpa nem apresentável, cabeça e cabelo com aspecto descuidado e quase desfigurado. Cumprimenta com a mão direita, depois a esquerda e a dextra de novo.

Agradece muito a comida entregue pela Comunidade Vida e Paz. Pergunta se há roupa. A associação está com problemas de armazenamento e distribuição, temporários. Não há roupa.

Agradece e cumprimenta de novo, a partir da cama improvisada naquele lugar onde mora, na calçada.

Um pedaço de chão arranjado com carinho, onde é possível ver sapatos, cobertores, alguns pertences.

Há uma mochila do Pateta, da Disney, carinhosamente pendurada e destacando-se no meio daquele cenário ambíguo e semi-caótico. Dizemos-lhe boa noite e prosseguimos.

O serão começa como acaba. Três ou quatro horas depois, junto a uma farmácia, há um homem que dorme e outro que está a pé.

Numa espécie de árvore de Natal permanente, os enfeites são garrafas e embalagens de plástico.

Encontramos um jovem negro, bonito, pele suave e leitosa.

Muito, muito simpático, é a opinião comum dos voluntários que vão entregar-lhe a comida.

Diz que está à procura de umas beatas de cigarro antes de ir dormir, mas não quer fazer barulho e incomodar o companheiro que descansa.

Explica que, mesmo na rua, é preciso respeito.

Os Sete números que mandam na minha vida                

No call-center, para ter esperança de receber um bocadinho de bónus, há sete métricas, ou medidas, a seguir religiosamente.

Pontualidade absoluta (não é difícil).

Assiduidade total (a mesma coisa).

Adesão, o que, aqui, se chama erradamente “aderência”.

Significa que os almoços e as pausas têm que ser feitos nas horas exactas estabelecidas pela equipa dos horários; quando essa equipa define que estamos em chamada estamos, quando decide que estamos a fazer casos escritos obedecemos, quando estabelece que estamos em reunião ou formação também e por aí fora.

Depois temos o número de casos por dia. Temos que fechar 14 diariamente.

E a taxa de promotores. A quantidade de pessoas que elogiam ou criticam a nossa chamada.

Elogiar é dar 9 ou 10 de 0 a 10. Uma nota passiva (neutra) é um 7 ou 8 de 0 a 10. Uma nota negativa é dar 0 a 6 de 0 a 10.

Os detractores têm mais valor na média do que os promotores. Para cada detractor que se receba, tem que se receber uma porção de promotores para reequilibrar, porque valem muitos menos na média.

Muitas vezes até se fez um trabalho maravilhoso, mas o utilizador está chateado com a empresa por outra razão qualquer e dá um zero ou 6, ou um 7 ou 8.

Fundamental é a autenticação dos utilizadores que telefonam (verificação dos dados da conta, que provam que é ele que está a ligar).

Se fizermos 300 chamadas num mês e falharmos por milímetros um dos cinco pontos de autenticação de uma das chamadas, ficamos sem bónus.

Por último, temos a taxa de ocupação, cujo objectivo é 80 por cento. Esta taxa mede o tempo que passamos nas ferramentas virtuais da empresa.

Se tivermos que fazer uma tradução no Google isso prejudica a taxa de ocupação, porque o Google é um site externo.

Se tivermos que pesquisar um tema nas notícias ou uma  conversão de moeda, é a mesma coisa.

São estes os sete números que mandam na minha vida.

Trânsito bloqueado pela estupidez        

Vinha da quinzenal missão de apoio às Pessoas Sem abrigo, duas da manhã, muito cansado e a pedir cama imediatamente.

Chovia como Deus a dava. A cem metros de casa, vejo que o trânsito está totalmente bloqueado, ao lado da discoteca dos Ferroviários.

A estrada é estreitíssima, mal circularia um pequeno automóvel de cada lado, e houve um esperto que decidiu, simplesmente, ali ficar parado, formando filas de carros e autocarros de ambos os lados.

Apito, buzino, apito e volto a buzinar. Nada. Saio de dentro da viatura, debaixo da chuva diluviana.

Bato à janela. Olha-me um calmeirão com um ar mental e geograficamente perdido. Com muita, muita diplomacia e educação, digo-lhe que está a impedir o caminho dos dois lados e não pode estar ali parado apenas porque isso lhe dá um inexplicável prazer.

Mantém-se o olhar vago e baralhado. Ah, mas eu estou à espera do meu amigo, estou à espera do meu amigo. Informo-o de que existe o Código da Estrada, bem como leis de circulação rodoviária.

Vou repetindo o mesmo muitas vezes, de formas diferentes, sempre civilizada e gentilmente.

Ele diz que sim, que sim, gozando e ignorando-me.

Acabo por desistir. Regresso ao conforto impaciente do meu bólide.

O condutor confundido acaba por se desviar uns centímetros para a direita. Consigo passar, quase lhe raspando a pintura. Ficamos ambos incólumes.

O frigorífico com pernas que nos queria engolir

A ponte sobre o Tejo está morna, bonita e agradável num Domingo de Primavera. Na faixa do meio, circula-se tranquilamente a 80 km/hora.

Atrás vem alguém que quer andar mais depressa e ignora a existência da faixa dos condutores rápidos, à esquerda. Cola-se à parte de trás, com o pára-choques do jipe.

Gosto de mudar de faixa, quando o Código da Estrada assim o indica, ou quando desejo. Não quando alguém atrás o exige, nomeadamente quando tem livre ao seu lado a faixa da esquerda.

Deixo-me ficar à mesma velocidade, sem abrandar nem acelerar. O tipo de trás apita continuamente e coloco a música mais alta.

O colega automobilista deita espuma pelos ouvidos, olhos e  cabelos. Depois de longos minutos neste braço de ferro, ultrapassa-me e atira-me um objecto duro contra a janela, mas não deixa marcas.

No mesmo dia, a caminho de um café vespertino, o meu pai mete-se numa Rotunda desrespeitando a prioridade. Há um condutor indignado que reage travando a fundo.

O erro foi do meu pai mas o outro ficou tão irritado que tentou provocar um acidente. Depois da Rotunda continua a travar à frente do meu pai, gritando-lhe e ameaçando-o.

O meu querido senhor Ventura tem 77 anos e anda com uma gripe que o tem deixado aflito.

Saio a voar de dentro do bolinhas. Do interior do outro veículo desloca-se uma montanha de carne humana com um metro e oitenta e quilos de músculo e gordura, furioso e agressivo.

Sou o primeiro a chegar ao pé dele. Contra a força bruta não há grandes argumentos, e o erro inicial foi do nosso lado. Assim, levanto os braços em sinal de paz e concórdia e peço ao pedregulho com olhos para ter calma.

O pilar animado concorda com a parte da calma mas diz que as coisas não são assim.

Continua a apoucar o meu pai, acusando-o de ter bebido (está doente, nem se lembra do que é um copo) e não saber conduzir.

Diz que tem o filho no carro e aponta para lá, enquanto fala com o nariz colado à testa do meu pai. Fez, de propósito, uma travagem tão estrondosa que pensámos que lhe tínhamos batido.

O condutor do nosso lado, quando chega ao pé dele, pede para ver os resultados do suposto mas inexistente acidente, e acertar tudo o que for preciso.

Entre ofensas, imprecações e lições de moral rodoviária, o frigorífico com pernas acaba por ir-se embora.

Politiquices de caca                                                            

É possível que no PSD, no Partido Popular Europeu em que está filiado e nos pensamentos de Paulo Rangel existam algumas preocupações com a população da Venezuela.

É de acreditar que sim. Mas mesmo assim, dá para pensar.

Além da campanha eleitoral europeia, e das aspirações sociais democratas em Bruxelas, quem mais terá sido beneficiado pelo envio forçado de ajuda humanitária para a terra do defunto Hugo Chavez…

Maduro, orgulhoso de ter impedido os caixotes de comida e frascos de medicamentos de entrar no seu país.

Ou Guaidó, acusado de ser uma marioneta nas mãos de Trump e de mais alguns aliados.

O político da oposição foi proclamado presidente interino pelo parlamento eleito, e reconhecido por alguns países.

Invocou a democracia, a liberdade, o desejo de paz e as carências do povo.

Deu a entender desde o início que procurava soluções pacíficas. Agora faz aquilo de que foi logo acusado pelos adversários Maduristas.

Deixa cair palavras que apontam, aparentemente, para um pedido de intervenção militar.

Que Trump e Bolsonaro parecem desejar. Os venezuelanos, no meio das guerras de palavras, não ficaram melhor.

“Eu tenho uma rêsérvva…”                         

Não há chamadas. Não há casos. Estou há vinte e quatro minutos em prontidão, à espera de telefonemas, e sem casos para resolver.

A pior coisa que pode acontecer num trabalho é não ter nada para fazer. E falta aqui ao lado o pessoal brasileiro, com assunto de conversa e boa disposição durante nove horas ou mais.

Enquanto se espera que caia uma chamada, pode observar-se o ambiente humano.

O piso está a abarrotar de gente, de várias idades mas especialmente mais jovens, de diversas nacionalidades, e há grupos adicionais que chegam todos os dias.

Há novos chefes de equipa a ser anunciados diariamente. A empresa está em franca e acelerada expansão.

Há brasileiros para o mercado espanhol, portugueses para a linha francesa, romenos para os utilizadores alemães, as possibilidades são inúmeras.

Gente que entra e outros que saem. Dezenas de novatos a serem integrados no ofício. E outros tantos a subir de nível, a passar de principiantes para o departamento seguinte, para o apoio aos mais recentes ou para a condução de novas equipas.

A animação é muitíssima, enorme. O trabalho é que está muito paradinho.

Oito meses e oito dias                              

Oito meses e oito dias. Não sou uma pessoa demasiado lamechas, e a vida continua, o amor, a alegria, o Sol, o céu, as estrelas, permanecem mesmo depois de partir alguém que amamos.

Assim, percorro nos meus dias a felicidade, a tristeza, a dor, o prazer, o bem estar ou as contrariedades, como antes. Não sou alguém que fique parado no tempo, apenas a viver uma ausência ou uma lacuna.

Não sou assim, e não seria uma forma digna nem certa de te homenagear e de retribuir o papel enorme e fundamental que tiveste, e tens, na minha passagem pelo Mundo.

Assim, não tenho problemas em dizer que penso em ti todos os dias, meu amor. Quando saio de casa de manhã atiro beijinhos e acenos de adeus à Amélinha, a “Gááta!!”, à doce Matilde e ao fofo Jeremias, e a ti, que já cá não estás.

Pode parecer ridículo. É um hábito, consciente e racional, um tributo agradecido.

Acontece-me estar a ouvir uma música muito forte e emocional, que nada tem a ver contigo; Ou a ver um filme, daqueles sentimentalmente pesados, que adoro e também não têm qualquer relação com o teu ser.

De repente, inesperadamente, sem preâmbulos, sinto uma descarga incontrolável, uma dor que vem bem de dentro, e sou agitado dos pés à cabeça por um ataque de choro duro, bruto, avassalador.

É uma catarse, uma libertação, saudável, necessária, positiva. Herdei a tua sensibilidade aguda e profunda, a tua empatia, a tua capacidade para sentir intensamente  o que os outros sentem.

Nenhuma destas sensações existia antes da tua partida. É engraçado como evito, ao máximo, dizer que morreste, meu amor. Digo que partiste, que estás no céu (eu, agnóstico até à medula), que te foste embora.

Quando muito, posso admitir que faleceste. Morrer, morte, são palavras difíceis de colocar numa frase onde esteja o teu nome. Mas é um facto. Morreste, Chiquinho, meu doce gatinho.

Os teus miados, as nossas conversas repletas de significado para nós, com princípio, meio e fim, continuam a ressoar na minha cabeça. A forma como te enfiavas  no meu antebraço e ali ficavas, a amassá-lo, horas, até adormecermos, continua bem viva.

O teu olhar e a tua voz, a exigir mimo e atenção sempre que eu ia lavar as mãos (especificamente nessas alturas, vá-se lá saber porquê) continuam reais.

O teu semblante filosófico, amigo, amoroso, compreensivo, inteligente, existirá sempre.

Não acredito na vida depois da morte, pelo que não voltaremos a encontrar-nos, meu querido e meigo Chiquinho. A não ser nas minhas memórias e nos meus sonhos, fofinho. Tenho saudades de sonhar contigo. Tenho saudades de ti, Chiquinho.

Sou esperado noutro lugar    

Estou a viver o contrário do meu sonho utópico, caracterizado pela previsibilidade e pela certeza quanto aos momentos seguintes.

No final de 2018, tinha a perspectiva de sair de onde estou até 30 de Junho. Depois, o projecto transferiu-se para a última semana de Abril. Mais tarde voltou o cenário inicial.

Agora está de novo apontado o momento próximo das efemérides pascais para a transferência.

Haverá que empacotar 400 livros, centenas de pratos, peças de roupa, algum mobiliário e três gatinhos.

Será necessário, para poder passar de uma beirinha do rio Tejo para a outra. A futura casa cabe na sala actual, mas não parece que isso seja um problema.

É mais longe da clínica veterinária, um percalço com o qual haverá que coexistir. E do trabalho, mas não muito.

Pagarei menos, claro. Na verdade, embora indirectamente, a alteração tem a ver com isso.

A especulação imobiliária, ainda que não se reflicta especificamente em mim, faz-me deixar a capital, rumo à cidade mais próxima.

O outro lado aguarda-me.

A conversa que não aconteceu

A menina, em idade de saber ler, contar e reflectir, entra no estabelecimento.

Tem cabelos escuros e uns olhos pretos, brilhantes, em constante movimento. Não sabe onde há-de sentar-se.

Depois de andar para a direita e para a esquerda acaba por decidir-se pela mesa em frente. Fica ali algum tempo sozinha.

O simpático idoso que anda a recolher uma ou outra peça de louça para devolver ao balcão chega ao pé dela e pergunta-lhe como está, se está tudo bem.

A garota responde que sim e o ancião sorri para ela, carinhoso. Vai ele próprio instalar-se na esplanada e beber o seu café.

Passado um bocado, chega o pai da pequena. Não um, mas dois pares de fones pendurados nos ouvidos.

Um telefone inteligente e um computador tablet para ele, e outro tablet para a filha.

Cada um agarra-se ao seu dispositivo (dois, no caso dele).

O homem de 40 anos vai de vez em quando à rua com o i-phone e um dos pares de auscultadores, fazer uma chamada. Depois volta, e continuam os dois a interagir com os seus écrãs, não um com o outro.

Cerca de uma hora depois, trocam-se as primeiras palavras: “Vamos embora, filha?”. “Sim.”.

O homem de 70 anos que andava a levar os pires para o balcão, e que nunca tinha visto a miúda, dialogou mais com ela do que o pai.