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O frigorífico com pernas que nos queria engolir

A ponte sobre o Tejo está morna, bonita e agradável num Domingo de Primavera. Na faixa do meio, circula-se tranquilamente a 80 km/hora.

Atrás vem alguém que quer andar mais depressa e ignora a existência da faixa dos condutores rápidos, à esquerda. Cola-se à parte de trás, com o pára-choques do jipe.

Gosto de mudar de faixa, quando o Código da Estrada assim o indica, ou quando desejo. Não quando alguém atrás o exige, nomeadamente quando tem livre ao seu lado a faixa da esquerda.

Deixo-me ficar à mesma velocidade, sem abrandar nem acelerar. O tipo de trás apita continuamente e coloco a música mais alta.

O colega automobilista deita espuma pelos ouvidos, olhos e  cabelos. Depois de longos minutos neste braço de ferro, ultrapassa-me e atira-me um objecto duro contra a janela, mas não deixa marcas.

No mesmo dia, a caminho de um café vespertino, o meu pai mete-se numa Rotunda desrespeitando a prioridade. Há um condutor indignado que reage travando a fundo.

O erro foi do meu pai mas o outro ficou tão irritado que tentou provocar um acidente. Depois da Rotunda continua a travar à frente do meu pai, gritando-lhe e ameaçando-o.

O meu querido senhor Ventura tem 77 anos e anda com uma gripe que o tem deixado aflito.

Saio a voar de dentro do bolinhas. Do interior do outro veículo desloca-se uma montanha de carne humana com um metro e oitenta e quilos de músculo e gordura, furioso e agressivo.

Sou o primeiro a chegar ao pé dele. Contra a força bruta não há grandes argumentos, e o erro inicial foi do nosso lado. Assim, levanto os braços em sinal de paz e concórdia e peço ao pedregulho com olhos para ter calma.

O pilar animado concorda com a parte da calma mas diz que as coisas não são assim.

Continua a apoucar o meu pai, acusando-o de ter bebido (está doente, nem se lembra do que é um copo) e não saber conduzir.

Diz que tem o filho no carro e aponta para lá, enquanto fala com o nariz colado à testa do meu pai. Fez, de propósito, uma travagem tão estrondosa que pensámos que lhe tínhamos batido.

O condutor do nosso lado, quando chega ao pé dele, pede para ver os resultados do suposto mas inexistente acidente, e acertar tudo o que for preciso.

Entre ofensas, imprecações e lições de moral rodoviária, o frigorífico com pernas acaba por ir-se embora.

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