Ela precisa de mais amor

Depois de duas gastrites em seis meses, o intestino da minha “Gááta!!” tem andado um pouco inflamado.

Mostrava algum desconforto depois de ingerir e “processar” a comida, por isso a Dra Dos Gatos alterou-lhe a alimentação e a medicação.

Uma semana depois, e antes de nova consulta, parece mostrar alguma estabilidade.

Mas a minha alminha de quatro patas consegue sempre surpreender.

É capaz de ser ainda mais doce, meiga e carinhosa do que já é sempre. Ou mais carente… E ciumenta.

Quando chego a casa, à noite, tenho uma actividade extra, além de dar aos meus pequenos ronronantes o patê, a ração e os comprimidos, tratar deles e de mim.

Sentar-me no chão e deixar que a apaixonada pantera negra venha para o meu colo, ficando agarrada, colada, abraçada a mim a ronronar placidamente durante uns cinco a dez minutos, abrindo e fechando os olhos de prazer e felicidade.

Só depois deste momento de amor e entrega a esguia e determinada felina consegue finalmente acalmar-se.

Após tudo isso, muitas festinhas e beijos ao Jeremias e à Matilde, podemos então ir todos para a cama, onde ficamos aprazivelmente agarrados, enrolados e abraçados uns aos outros.

A vida e as vacas

Esta ala mais portuguesa da sala parece uma repartição de finanças ou uma fábrica de cones ou cilindros sintéticos para usar nas situações mais variadas e imprevisíveis da vida.

Que saudades de estar no meio dos espanhóis e latino-americanos, tão calorosos, bem dispostos e disponíveis. Os portugueses são muito menos divertidos.

E já querem outra vez convencer-me a passar para o próximo nível.

Um patamar onde se ganha exactamente o mesmo mas o trabalho é muito mais difícil, e muito mais complicado é conseguir atingir os níveis de resultados exigidos para que não nos cortem no salário.

Ser call-centrista é isto mesmo. Falar com portugueses convencidos e brasileiros info-excluídos, esclarecer o que tem explicação e o que não tem, ser gentil com os simpáticos e os pedantes, simular um sorriso mental que sirva para qualquer situação.

E manter os resultados sempre bem em cima, seja tal mais concretizável ou puramente utópico. É a vida!

A capa cor-de-rosa

Durante 12 horas o meu telemóvel esteve sem receber SMS! Ao fim desse tempo percebi. Liguei à Meo. Fui muitíssimo bem atendido.

Reconfiguraram o aparelho à distância, mandaram-me desligá-lo, tirar o cartão, limpar tudo muito bem, fechar e voltar a ligar. Os procedimentos clássicos.

Foi uma odisseia. É um smartphone de marca branca da Idade da Pedra e nunca lhe tinha feito isso, nem sabia que era possível.

O dispositivo sobreviveu, e o próprio cartão também, embora se separasse em duas metades desavindas.

A capa era do tempo em que os governos diziam que havia austeridade. Já nem era bem uma capa, era um artefacto em transição.

Enquanto abria o telefone, desfi-la sem perceber. No final havia três pedaços, um para cada lado.

Fui ao comerciante indiano ou paquistanês da estação, onde a tinha comprado há uns anos, depois de ter tentado alguns mercadores chineses e lojas dos 300.

O mesmo senhor asiático da outra vez estava lá. O telefone já não se fabrica, a capa ídem aspas. Ia tentar encomendar uma, preta, mas podia demorar semanas.

Já só tinha uma na loja. Cor-de-rosa. Com 50% de desconto.

Era isso ou esperar dias ou semanas.

Só havia uma decisão que fazia sentido.

Como é que eu faço para avaliar o seu trabalho?

Olá, boa tarde, aqui falo eu. Em que posso ser útil?

Bem, estou aqui com um problema que você nem imagina.

Lamento muito. Deixe-me só fazer algumas perguntas de autenticação e verificação da sua identidade antes de podermos prosseguir, por favor.

Bem, eu não sou o titular da conta.

Certo, para eu poder dar alguma informação preciso de falar com o titular da conta e autenticar a sua identidade.

Mas eu não preciso de nenhuma informação. Só preciso que me diga o que posso fazer se acontecer isto e isto.

Na verdade, temos dois departamentos específicos para lidar com esse tipo de situações. Basta ligar para nós e, consoante o caso, encaminhamos para um ou para o outro.

Olhe, não me sinto nada informado por essa resposta.

Se acontecer essa situação, é só uma questão de…

Não repita, eu sei falar português e ouço bem.

Está bem, então nesse caso o que quer que lhe diga mais?

O quê? Como é que se atreve a dizer isso?

Bom, disse-me que fala bem português, que ouviu o que lhe disse, que não repita. Por isso perguntei: Então nesse caso o que deseja que lhe diga mais?

Olhe, vamos manter aqui a cordialidade e a educação.

Sim, claro, é o que estou a fazer.

Como é que eu faço para avaliar o seu atendimento?

Esse processo é automático.

Óptimo, óptimo. Escusado será dizer qual é a nota que vou dar-lhe.

Muito bem, muito bem.

Então boa tarde. Não me ajudou nada.

Muito boa tarde e boa semana.

Querida pessoa,

Envio esta carta para ti, pessoa que não existe. Já ninguém as escreve, hoje em dia.

Se alguém redigisse uma epístola, ela poderia soar mais ou menos assim.

Querida pessoa, espero que te encontres bem. Há muito tempo que não nos vemos, não faço ideia de como te sentes.

Queria falar-te de como transcorrem hoje os meus dias. Como deverás saber, há 32 anos apostei numa profissão que, décadas depois, entraria em vias de extinção.

É nesse caminho que se encontra agora, e depois de um ano e meio a tentar regressar a ela percebi que estava a tentar furar uma parede de ferro com a palma da minha mão.

Alterei a estratégia e fui trabalhar para um sector completamente diferente.

Agora falo com brasileiros e portugueses todos os dias, tendo por função resolver os problemas que podem surgir durante uma viagem.

É uma forma de ganhar a vida como qualquer outra. Trabalho oito horas por dia, em horários rotativos, cinco dias por semana, com folgas alternadas.

A paixão maior fica para outras áreas da minha vida.

Mas agora gostava de saber de ti.

Como vai a tua existência neste momento? O casamento corre-te bem? Os teus filhos estão crescidos e felizes?

Como foram as férias? Onde vais passar o último dia do ano? Já compraste as prendas de Natal?

Conta-me, diz-me, relata-me tudo. Quero ouvir-te, desejo saber os teus anseios e o que te faz feliz, querida pessoa que não existe.