Como é que eu faço para avaliar o seu trabalho?

Olá, boa tarde, aqui falo eu. Em que posso ser útil?

Bem, estou aqui com um problema que você nem imagina.

Lamento muito. Deixe-me só fazer algumas perguntas de autenticação e verificação da sua identidade antes de podermos prosseguir, por favor.

Bem, eu não sou o titular da conta.

Certo, para eu poder dar alguma informação preciso de falar com o titular da conta e autenticar a sua identidade.

Mas eu não preciso de nenhuma informação. Só preciso que me diga o que posso fazer se acontecer isto e isto.

Na verdade, temos dois departamentos específicos para lidar com esse tipo de situações. Basta ligar para nós e, consoante o caso, encaminhamos para um ou para o outro.

Olhe, não me sinto nada informado por essa resposta.

Se acontecer essa situação, é só uma questão de…

Não repita, eu sei falar português e ouço bem.

Está bem, então nesse caso o que quer que lhe diga mais?

O quê? Como é que se atreve a dizer isso?

Bom, disse-me que fala bem português, que ouviu o que lhe disse, que não repita. Por isso perguntei: Então nesse caso o que deseja que lhe diga mais?

Olhe, vamos manter aqui a cordialidade e a educação.

Sim, claro, é o que estou a fazer.

Como é que eu faço para avaliar o seu atendimento?

Esse processo é automático.

Óptimo, óptimo. Escusado será dizer qual é a nota que vou dar-lhe.

Muito bem, muito bem.

Então boa tarde. Não me ajudou nada.

Muito boa tarde e boa semana.

Querida pessoa,

Envio esta carta para ti, pessoa que não existe. Já ninguém as escreve, hoje em dia.

Se alguém redigisse uma epístola, ela poderia soar mais ou menos assim.

Querida pessoa, espero que te encontres bem. Há muito tempo que não nos vemos, não faço ideia de como te sentes.

Queria falar-te de como transcorrem hoje os meus dias. Como deverás saber, há 32 anos apostei numa profissão que, décadas depois, entraria em vias de extinção.

É nesse caminho que se encontra agora, e depois de um ano e meio a tentar regressar a ela percebi que estava a tentar furar uma parede de ferro com a palma da minha mão.

Alterei a estratégia e fui trabalhar para um sector completamente diferente.

Agora falo com brasileiros e portugueses todos os dias, tendo por função resolver os problemas que podem surgir durante uma viagem.

É uma forma de ganhar a vida como qualquer outra. Trabalho oito horas por dia, em horários rotativos, cinco dias por semana, com folgas alternadas.

A paixão maior fica para outras áreas da minha vida.

Mas agora gostava de saber de ti.

Como vai a tua existência neste momento? O casamento corre-te bem? Os teus filhos estão crescidos e felizes?

Como foram as férias? Onde vais passar o último dia do ano? Já compraste as prendas de Natal?

Conta-me, diz-me, relata-me tudo. Quero ouvir-te, desejo saber os teus anseios e o que te faz feliz, querida pessoa que não existe.

Um livro especial

Um banco de pedra isolado na calada da noite, um rectângulo claro e sem significado.

Mas sobre essa laje pura, fria e húmida há um objecto dourado e azul, com silhuetas coloridas que saltam à nossa vista.

Um livro de banda desenhada com a respeitável idade de 18 anos. É da época em que deixou de haver escudos. Ainda traz o preço nessa moeda e em euros.

Um Disney Especial sobre mitos e lendas. Nele se lêem as desconcertantes aventuras do Monstro do Lago Patarata, a história do Tesouro dos Nibelungos, a vida do Primata que comia Prata e o dia-a-dia de outras tantas personagens irresistíveis.

Ficamos a saber o que aconteceu quando o Pateta (o Goofy) deu de caras com uma lagarta lendária… Que tinha a cara exactamente igual à dele.

Os dois bonecos tornaram-se amigos de imediato, e o bicho submarino foi adoptado como mascote deste Pateta que tem rosto e orelhas de cão.

As duas figurinhas levam qualquer um a pensar imediatamente nos seus animais de estimação.

É um álbum cheio de fantasia, amizade, ingenuidade e muitos valores de tempos que não são estes. Um amigo de papel para todos os dias.

Transporta para uma era feliz e tranquila em que a vida é simples e o futuro brilhante.

Dá vontade de passar horas dentro das páginas, acompanhando aquela gente imaginária com uma existência em que tudo acaba em festa e animação.

Aí está um objectivo, levar a vida exactamente dessa forma.

Mangas meritocratas

Os factos alternadeiros, a existir, seriam factos que trabalhassem numa casa de alterne, transaccionando o corpo para conquistarem uns cobres nas horas vagas.

Fatos alternativos dão jeito àqueles senhores enfatuados que todos os dias têm que usar os seus fatos castanhos, cinzentos, azuis escuros ou pretos, sempre com os casacos e as calças da mesma cor. Que monotonia.

Então e se uma vez por semana os melancólicos engravatados usarem um casaco vermelho, umas calças amarelas e uma gravata cor-de-rosa? Isso sim é que é um fato alternativo!

Fitas flamejantes são filmes factuais e intensos que, um minuto antes de chegar ao fim, peguem fogo, incendiando o grande écrã, e, com algum azar, a própria sala de cinema também.

Ritos rastejantes são a coisa mais simples do mundo. Em todas as civilizações existem ritos de passagem, utilizados pela sociedade para assinalar a passagem das crianças à idade adulta. A circuncisão, por exemplo.

Se o rito de passagem consistir em rastejar ao longo de três metros, sobre tabletes de chocolate negro sem vestígios de leite, procurando levar a cabo esse arrasto do corpo sem derreter as referidas guloseimas…

O prémio seria ter o poder de devorá-las a todas em minutos. Um magnífico rito rastejante.  

Para conhecermos a vida das mangas meritocratas imagine-se que as mangas decidiam, entre si, que só iam colocar-se à venda nas bancas do mercado aquelas, de entre elas, que fossem as mais doces, maduras, gostosas e irresistíveis. Isso significaria que as mangas teriam instituído entre si a meritocracia. Seriam mangas meritocratas.

Bolas beneficiadas são esféricos que tenham sido protegidos pelo Olimpo. Pelotas usadas única e exclusivamente por jogadores tão vesgos, tão toscos, tão desajeitados que nunca conseguem acertar-lhes. Bolas beneficiadas pelo facto de passarem o resto da sua vida felizes, sem dores, sem desgaste, sem o inconveniente de serem constantemente pontapeadas.

Cadeiras coagidas são assentos obrigados, contra a sua vontade, a acolher constantemente pessoas obesas, de pesados tecidos adiposos, indivíduos daqueles que, com verdade e justiça, precisariam sempre de dois bancos individuais para basearem o seu traseiro.

Sapos cedendo são os batráquios que, mesmo em países quase tropicais e com verões eternos lá vão aceitando que os charcos fiquem cada vez mais pequenos. Refugiam-se nos últimos dos derradeiros pedaços de humidade e aguardam ansiosamente que venha pelo menos um dia ou um mês de Inverno, com muita chuva durante infindáveis horas, para que depois possam chafurdar alegremente no charco entretanto ressuscitado. É uma vida difícil.

Écrãs ecuménicos são o que todos nós, ou muitos de nós, ou pelo menos alguns, desejamos. Televisões, computadores, telemóveis, écrãs portáteis que não se façam de esquisitos. Que acolham com a mesma alegria e carinho as ideias, os vídeos, as notícias (verdadeiras, se faz favor) ateias, católicas, budistas, muçulmanas, de esquerda, de direita, do centro, das pontas, do meio e de todo o lado.

Notas neutralizadas são as que nos caem nos bolsos mensalmente. Não chegam mesmo a passar pelas nossas algibeiras. Entram no banco e saem logo em passo muito acelerado. Têm que ir pagar a casa, o carro, a luz, a água, o telefone, o telemóvel, a Internet, o streaming, a comida e medicamentos dos filhos e dos animais de estimação e por aí fora.

Dados deferentes são os que se deixam jogar no pano verde pacífica e alegremente sem resistência, e quando vêem o croupier chegar ao casino começam de imediato a fazer vénias e salamaleques, homenageando assim aquele que influencia a sua vida. Mas a verdade é que quando os dados são lançados e determinam o destino, são eles e só eles que decidem como é que vão cair.

Índios irónicos é o que todos são no fundo. É uma enorme ironia terem sido corridos das suas terras desde há séculos e depois ouvir os norte-americanos ou os brasileiros dizer “esta é a minha terra”. Os verdadeiros brasileiros e norte-americanos são os índios.

Gatos geliformes são uma guloseima deliciosa feita de doces constituídos por fruta e açúcar de cana, sem substâncias de origem animal, em forma de gatinhos. Tão lindos, tão bons, tão maravilhosos que nunca ninguém conseguiria comê-los. 

Quando ela me diz que me ama

A escovagem dos três felinos lá de casa é uma aventura diferente todos os dias. O único gato que exigia e adorava esta actividade era o meu saudoso Chiquinho, que a entendia justamente não apenas como um cuidado de saúde, mas uma merecida homenagem diária, cheia de afecto.

Miava e miava, de todo eufórico com essa atenção distintiva.

Os seus três primos que me alegram os dias são mais difíceis de persuadir.

O meu Jeremias está a ficar velhote e pachorrento. Pego nele, insisto umas vezes e ele acaba por ficar uns minutos a ronronar, de lado, enquanto lhe retiro o pêlo morto.

Com a Amélinha (a “Gááta!!”) tenho uma nova técnica. Deixo-a atacar e morder à vontade no meu pulso a bracelete de pano do Dia do Voluntariado, 27 de Outubro (a sua actual obsessão), e assim consigo “esfregá-la” durante um a dois minutos para lhe puxar o lustro e retirar a pelagem danificada.

Com a Matilde, tudo é diferente.

Primeiro, escovo os outros.

Depois fecho-me na cozinha com ela, conversamos os dois, convenço-a, insisto, tento uma ou duas vezes…

Vou contando de zero a dez e ao contrário e fechando os olhos, respirando fundo, inspirando e expirando ao ritmo da contagem.

Acalmamo-nos os dois nesse êxtase meditativo.

Finalmente, aceita que a vá afagando repetidamente com o instrumento próprio, cinco, dez, quinze minutos, o tempo que eu quiser.

Olha para mim com um amor inexprimível.

Roça-se, esfrega-se, mia e ronrona.

Ficamos os dois tranquilos, felizes, banhados por um estado de espírito superior.

Escovar os nossos gatos não é só um acto de amor, que pode ser levado a cabo com escovas de borracha, as normais de pentear, pentes ou luvas de escovagem (o método mais carinhoso e que considero mais eficaz).

É também necessário para prevenir problemas de estômago e infecções urinárias, contribuindo para a higiene destes anjos de quatro patas e da casa.

É uma tarefa em que conseguimos unir prazer recíproco e tratamento felino.

Um sono que não acaba

O pessoal anda escandalizado, indignado até à medula. Findou o Verão! O calor está de malas feitas. Chove.

Que horror, como é possível? É indecente, inaceitável. É por estas e outras que o prestígio dos políticos está como está.

Continuo a cumprir o meu plano de vida, trabalhar seis meses por ano de calções, de Maio a Outubro.

Não concordo com o estado de espírito geral de protesto contra a insuficiência das alterações climáticas.

Adoro o calor dos 25 aos 30 graus, e não fico deprimido em casa só porque o estio de seis meses é artificial e causado pela destruição em curso do Planeta.

Mas estava ansioso pela chegada do Outono!

Ele e o Inverno são épocas do ano muito mais carinhosas e aconchegantes do que este Verão parado no tempo.

Armei-me em friorento e comecei, já esta semana, a dormir debaixo do édredão. Porquê?

Se a Amélinha (a “Gááta!!”) e o Jeremias dormem em cima de mim, agarrados ao meu corpo, encostados à minha pele, mesmo que estejam 35 ou 37 graus, a Matildinha está sempre a ser perseguida e importunada por eles…

Assim, não se junta a nós na cama tão facilmente nessa época quente e luminosa sem fim.

Neste Outono que levei a começar mais depressa passando a tapar-me à noite, o que faz ela? Vem imediatamente colocar-se, comigo, debaixo dos lençóis. Ali fica, cozida às minhas costas, até de manhã.

Passei a receber, por fim, as minhas doses triplas de afecto, que voltaram a incluir esta princesinha cinzenta, além do seu irmão tigrado e da minha luzidia pantera negra.

Agora descanso muito melhor, sem uma única interrupção do sono até à hora de acordar.

O que me faz feliz?

O bem estar espiritual chega através das coisas que parecem irrelevantes.

Levanto-me cedo. Faço uma corrida de uma hora.

Dedico-me depois à caminhada matinal acelerada. 20 minutos de um terminal de comboios a outro, à beira rio, com o nascer do Sol no programa.

O pequeno-almoço à frente das águas, a ler as notícias da manhã. Café, em dose liberal, porque dentro de 24 horas é dia de folga, não há horários rígidos e a insónia não assusta.

A minha Amélinha, a “Gááta!!”, distribui umas arranhadelas a meio da noite, sempre ansiosa por dedicar-se ao disparate. Sacudo-a com o pé. Fica encostada, enroladinha, contra as minhas pernas, a ronronar até de manhã.

O mesmo fazem o Jeremias e a Matilde. O tigre caseiro que se porta como sombra do seu humano e a princezinha cinzenta, que se alimenta dos mimos e da atenção que lhe dedico.

Deita-se de lado, dá-me o corpinho, para lhe fazer festas no farto pêlo e lhe dar beijos na barriga redondinha.

Ao mesmo tempo a “Gááta!!” canta, dá gritinhos e mia. Rebola no chão, estica-se à minha frente.

Quer a mão, os dedos, a passearem-se pela sua silhueta negra e luzidia enquanto me observa com aqueles olhos verdes claros sempre cheios de curiosidade, amor e malandrice.

O que me faz feliz são os olhos deles.

O Chiquinho foi “O meu primeiro gato”, e hoje continua a visitar-me nos sonhos, conversando comigo, dando-me amor e pedindo-me miminhos, como fez ao longo de toda a sua vida.

Mas antes de o conhecer já existiam o Jeremias, o primeiro felino a querer travar amizade comigo, e a Matilde, que quando me conheceu veio para o meu colo, mostrando que eu “devia ser muito boa pessoa”.

Hoje fazem anos. Que venham muitos mais!

Dois minutos

Dois minutos. O que valem dois minutos? O que é possível dizer? Que podemos contar em 120 segundos? O tempo que separa o final da manhã da hora de almoço…

Durante uma semana e meia estive a esclarecer – em dois minutos – os utilizadores do serviço sobre aquilo que tinham que fazer para manter a sua actividade dentro dos regulamentos nacionais, sem que ninguém os fosse perturbar a esse propósito.

O único problema é que os novos seres humanos não lêem mensagens, não percebem emails e não querem fazer dois cliques no computador, mesmo que isso lhes permita não terem chatices com o fisco.

Até as explicações passo a passo e os vídeos demonstrativos não lhes assistem.

A vantagem desta mudança temporária foi que tive direito a um fim-de-semana inteiro de folga e durante alguns dias fiz o horário das 9 às 18. A compensação por estar sempre a dizer a mesma coisa de formas diferentes (em 120 segundos) durante sete dias e ninguém querer atender nem entender.

Por outro lado passei esse período livre do trabalho de assistência clássico, em que nunca sabemos quem vai chegar do outro lado da linha.

Se uma besta, se um príncipe – ou princesa. Se uma situação em que basta expormos o óbvio para a pessoa ficar esclarecida e satisfeita, ou um caso daqueles em que não há grande coisa a fazer, o resultado não depende de nós e a nota que nos darão vai sempre ser um grande, redondo e inalterável zero.

Naquele andar as efectivas da humanidade feminina são mais vistosas e ataviadas.

Mas o ambiente é um pouco mais frio e quando o pessoal atravessa a longa e interminável sala, o que também demora dois minutos, parece sempre que estamos a ver os modelos na passerelle.

É o que dizem a sua postura e atitude, previamente ensaiadas para mostrar e impressionar.

A empresa é toda ela o mesmo mundo, mas estes parecem dois continentes bastante diferentes. A 120 segundos um do outro.

O Homem de Pedra

Disse-lhe que ele era o Homem de Pedra: Que absolutamente nada mudava na expressão dele, nem um único traço em todo o rosto. Quer experimentasse a felicidade suprema ou o mais dilacerante sofrimento.

Isso só poderia significar que não sentia nada. Que não sabia o que eram as emoções. O bem estar ou a tristeza, o negrume ou a euforia.

Mas na verdade não era nada disso que se passava. O Homem de Pedra sentia, e não era ligeiro o seu sentir. Só que essas sensações ficavam apenas para ele.

À sua volta ninguém sabia o que lhe passava pelo espírito.

Preocupava-se com o andamento do Mundo? Exultava com uma boa notícia? Fartava-se da sua enxada e de andar sempre a desbravar a beira da estrada, um dia depois do outro, uma hora e a seguir outra? Observava com prazer as senhoras a passar, com os seus trajes de Verão e na ponta da trela os seus cães, de raça ou rafeiros?

Ninguém diria o que viam os seus olhos.

O Homem de Pedra ali estava sempre, levando à frente as ervas daninhas, limpando o solo com uma energia sem limites, agitando-se freneticamente, caracóis esvoaçando com o movimento do corpo, rosto imóvel e impenetrável.

No dia seguinte lá se encontraria, inalterável na sua rotina e na sua ausência de expressão. E no outro, e depois também. Acontecesse o que acontecesse.

Acordar antes das cinco

Usei a hora de almoço para dormir no terraço do quinto andar, em sossego e com o Sol a bater-me na cara por cima do meu chapéu cinzento.

Quando uma pessoa está muito sonolenta e cansada o sistema entra em ruptura geral. Ficamos apáticos e desprovidos de energia. Só pensamos em parar.

Naquela noite, da nossa equipa de nove, só quatro voluntários podiam ir distribuir comida e uma palavra de conforto às pessoas sem abrigo de Lisboa.

Assim, sobraram menos de quatro horas para fechar os olhos.

A minha doce e querida Matilde, coitadinha, aparentemente perdeu-se a meio da noite. Fechou-se na minha casa de banho e, claro, não conseguia sair.

Tive que ir libertar a minha princesinha. Depois disso, já só tinha uma hora de descanso. A gordinha irresistível veio então juntar-se ao resto do grupo na cama, enroscando-se nas minhas costas.

Por essa altura, a Amélinha, a “Gááta!!”, sempre a ronronar em cima de mim, decidiu pegar-se à traulitada com o meu lindo lince doméstico, o Jeremias. Apesar de tudo ainda voltei a adormecer, minutos antes de ter que acordar.

Os meus três pequenotes já não estavam habituados a este turno que me faz acordar antes das cinco. Hesitaram muito… Mas acabaram por se levantar, alguns deles só depois de devidamente persuadidos, ir para a cozinha e receber os tratamentos matinais, além do patê e da ração.

Enquanto me lavava, vestia e preparava para ir trabalhar, esses três seres carinhosos foram regressando calmamente aos seus lugares naturais, já que ainda eram só seis horas.

A Matildinha foi para o escorredouro de loiça coberto de panos que lhe serve de morada principal. Só vai para o meu quarto quando estou lá.

O Jeremias e a Amélinha passariam as horas seguintes agarradinhos um ao outro sobre o meu édredão, não encontrando qualquer razão para se dedicarem a actividades quotidianas muito agitadas em hora tão matutina.

Despedi-me da Matilde lá no seu lugar cativo. Ao Jeremias disse adeus entre a cozinha e o quarto, para o qual já regressava. Esperava-o a Amélinha, imóvel e serena. Dei-lhe uns beijinhos e umas festinhas, enquanto a sentia vibrar e fazer “rrrr, rrrr, rrrr”.