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Mangas meritocratas

Os factos alternadeiros, a existir, seriam factos que trabalhassem numa casa de alterne, transaccionando o corpo para conquistarem uns cobres nas horas vagas.

Fatos alternativos dão jeito àqueles senhores enfatuados que todos os dias têm que usar os seus fatos castanhos, cinzentos, azuis escuros ou pretos, sempre com os casacos e as calças da mesma cor. Que monotonia.

Então e se uma vez por semana os melancólicos engravatados usarem um casaco vermelho, umas calças amarelas e uma gravata cor-de-rosa? Isso sim é que é um fato alternativo!

Fitas flamejantes são filmes factuais e intensos que, um minuto antes de chegar ao fim, peguem fogo, incendiando o grande écrã, e, com algum azar, a própria sala de cinema também.

Ritos rastejantes são a coisa mais simples do mundo. Em todas as civilizações existem ritos de passagem, utilizados pela sociedade para assinalar a passagem das crianças à idade adulta. A circuncisão, por exemplo.

Se o rito de passagem consistir em rastejar ao longo de três metros, sobre tabletes de chocolate negro sem vestígios de leite, procurando levar a cabo esse arrasto do corpo sem derreter as referidas guloseimas…

O prémio seria ter o poder de devorá-las a todas em minutos. Um magnífico rito rastejante.  

Para conhecermos a vida das mangas meritocratas imagine-se que as mangas decidiam, entre si, que só iam colocar-se à venda nas bancas do mercado aquelas, de entre elas, que fossem as mais doces, maduras, gostosas e irresistíveis. Isso significaria que as mangas teriam instituído entre si a meritocracia. Seriam mangas meritocratas.

Bolas beneficiadas são esféricos que tenham sido protegidos pelo Olimpo. Pelotas usadas única e exclusivamente por jogadores tão vesgos, tão toscos, tão desajeitados que nunca conseguem acertar-lhes. Bolas beneficiadas pelo facto de passarem o resto da sua vida felizes, sem dores, sem desgaste, sem o inconveniente de serem constantemente pontapeadas.

Cadeiras coagidas são assentos obrigados, contra a sua vontade, a acolher constantemente pessoas obesas, de pesados tecidos adiposos, indivíduos daqueles que, com verdade e justiça, precisariam sempre de dois bancos individuais para basearem o seu traseiro.

Sapos cedendo são os batráquios que, mesmo em países quase tropicais e com verões eternos lá vão aceitando que os charcos fiquem cada vez mais pequenos. Refugiam-se nos últimos dos derradeiros pedaços de humidade e aguardam ansiosamente que venha pelo menos um dia ou um mês de Inverno, com muita chuva durante infindáveis horas, para que depois possam chafurdar alegremente no charco entretanto ressuscitado. É uma vida difícil.

Écrãs ecuménicos são o que todos nós, ou muitos de nós, ou pelo menos alguns, desejamos. Televisões, computadores, telemóveis, écrãs portáteis que não se façam de esquisitos. Que acolham com a mesma alegria e carinho as ideias, os vídeos, as notícias (verdadeiras, se faz favor) ateias, católicas, budistas, muçulmanas, de esquerda, de direita, do centro, das pontas, do meio e de todo o lado.

Notas neutralizadas são as que nos caem nos bolsos mensalmente. Não chegam mesmo a passar pelas nossas algibeiras. Entram no banco e saem logo em passo muito acelerado. Têm que ir pagar a casa, o carro, a luz, a água, o telefone, o telemóvel, a Internet, o streaming, a comida e medicamentos dos filhos e dos animais de estimação e por aí fora.

Dados deferentes são os que se deixam jogar no pano verde pacífica e alegremente sem resistência, e quando vêem o croupier chegar ao casino começam de imediato a fazer vénias e salamaleques, homenageando assim aquele que influencia a sua vida. Mas a verdade é que quando os dados são lançados e determinam o destino, são eles e só eles que decidem como é que vão cair.

Índios irónicos é o que todos são no fundo. É uma enorme ironia terem sido corridos das suas terras desde há séculos e depois ouvir os norte-americanos ou os brasileiros dizer “esta é a minha terra”. Os verdadeiros brasileiros e norte-americanos são os índios.

Gatos geliformes são uma guloseima deliciosa feita de doces constituídos por fruta e açúcar de cana, sem substâncias de origem animal, em forma de gatinhos. Tão lindos, tão bons, tão maravilhosos que nunca ninguém conseguiria comê-los. 

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