Passagem de ano sem carne

Você está bem? Você está bem? Você está bem? São só copos ou precisa de ajuda? Está um frio danado, estou com várias peças quentes e cheio de frio”. “Não, não, é só copos”. “Ok, então, se está bem, não vou chateá-lo mais”.

A noite começara umas 12 horas antes, e às seis da manhã de 1 de Janeiro, a festa e a loucura ainda se sentem nas ruas.

Às 18 horas do dia anterior, terminara as limpezas semanais, olhava para o sofá e para as provisões sólidas e líquidas e pensava no que fazer a seguir. De repente, toca o telefone.

Estás em casa?!”. “Sim, sim”. “Mas… Estás sozinho?!”. “Sim”. “Queres vir jantar connosco?”. “Sim, sim!!”.

A passagem de ano decidiu-se em minutos, pouco antes de acontecer. J, anfitrião e célebre cozinheiro, não teve tempo para se preparar para um convidado vegan, que leva consigo amendoins, cajus e duas garrafas de vinho.

Para o conviva que não come carne, peixe, leite, queijo, manteiga, iogurte, ovos ou mel há, mesmo assim, opções. Folhados de espinafres sem nenhum ingrediente de origem animal, batatinhas pequenas assadas, salada, cogumelos (tudo sem nenhuma contaminação de carne) e os ditos frutos secos.

É certo que se trata de uma noite dura e exigente, mas, mesmo assim, já houve jantares muito menos substanciais e proteicos, preparados em muito mais tempo.

marquesborba

Os vinhos escolhidos a dedo pelo chef e pelos comensais vão desatando a língua, desfiando a conversa e decorando a boa disposição. A música escolhe-se pelos métodos desta década. Vai-se usando o tablet da casa, ligado à aparelhagem, ou os próprios smartphones dos presentes, e cada um escolhe um tema no youtube.

monsaraz reserva

Seis da manhã. O dono da casa, rapaz emigrado em Portugal e com talento para a cozinha, a conversa e a amizade, esteve sempre bem disposto e animado, a noite toda. Mas agora… “Bom, eu detesto ter que dizer isto, mas as minhas duas filhas daqui a duas horas têm que estar levantadas e operacionais”… O pequeno bando de conversadores e bebedores ouve atentamente e dirige-se imediatamente para outras paragens.

O primeiro dia do resto da minha vida

Adormecera às sete da manhã, não faria sentido acordar às sete da manhã. A hora de levantar passou para o meio dia. Era o primeiro dia do ano.

Vegan agora para sempre, a vontade de almoçar em casa era pouca. Comedouros abertos, havia os templos do hambúrguer e os lugares turísticos. Aproximei-me de um e estudei-o. Creme de cenoura, tosta sem Nada, cerveja a preço aceitável. Foi esse o almoço.

Em cima, uma Ginginha, numa das duas Ginginhas do Rossio, a mais genuína e menos turística. E depois, uma ida à farmácia. No primeiro dia do ano, o peso é de 77 quilos, dos quais se desconta para aí um quilo de roupa. Menos uns quatro do que há três meses.

thumbnail_IMG_20170101_142647

Mais algumas centenas de metros, um passeio na avenida. A leveza de espírito é tal que só uns quarteirões depois o braço parece demasiado leve.

liberdade_ou_morte_400__36648_zoom

Onde está o livro, a bíblia das almas livres, Liberdade ou Morte, de Nikos Kazantzakis? Na farmácia. As centenas de metros que separam os dois pontos desaparecem em segundos e o livro regressa ao legítimo e esquecido proprietário.

Algum tempo depois, é altura propícia para ver o magnífico filme A Dançarina.

À saída, um dos encontros felizes do dia. A., que em tempos viveu na rua, e vai todos os dias buscar comida à carrinha da Comunidade Vida e Paz, saúda com a boa disposição de sempre.

15870733_1345199898857585_1761664993_ndesfocada

(Foto- António Santos)

 

Esta semana convidaram-me para ver o último filme da série do Star Wars, e fui. No próximo vai aparecer a Carrie Fisher, em cenas que foram filmadas antes de ela morrer. Neste entrava, mas eram imagens antigas, dos filmes anteriores, e notava-se perfeitamente. Também aparecia aquele general, que já morreu há não sei quanto tempo.”.

Há um rapaz que pede Um Euro, e ouve a explicação: “Daqui a bocadinho estão ali fora a carrinha da Comunidade Vida e Paz e as de outras instituições. Algumas delas até trazem comida quente”.

A. está com uma constipação. “Proteja-se bem, que isto este ano está muito complicado. Os hospitais estão cheios de pessoas com gripes”.

thumbnail_IMG_20170101_202400

No caminho para casa, ainda há tempo para reparar num carro que manobrou delirantemente, ao ponto de ficar com duas rodas no ar e outras duas enfaixadas no do lado…

Quase morto por um cadáver voador

“Olá!”. “Quem é?”. “Sou eu, da Comunidade Vida e Paz. Mas hoje vim sozinho, para ver como estava”. “Ah, olá, como está? Como eu sou cego, não sabia quem era”. “E então, como se encontra?”. “Vivo e feliz”.

“Estou a ler um livro que o senhor deve ter lido na sua juventude, certamente. Liberdade ou Morte, sobre as guerras e as rivalidades entre Creta e a Turquia”.

“Sim, lembro-me do livro. Os gregos e os turcos sempre estiveram em guerras religiosas sem fim. Há muitas lutas religiosas, e dentro das próprias religiões. Entre muçulmanos sunitas e muçulmanos xiitas, por exemplo. Eu, como sou a pessoa mais feliz do Mundo, a mim essas guerras pouco me interessam. Escapei 15 vezes da morte, muitas delas não faço ideia como”. “Sim, mas como acredita em Deus certamente não pensa que foi por acaso”.

thumbnail_IMG_20161126_200851

“Pois. A primeira vez foi quando era menino, e jogava, em Espanha, à Pelota Basca. Muitos meninos que eu conhecia morreram de tuberculose, e eu também sofri da doença. Como estava certo de que não havia nada a fazer, não disse aos meus pais. Eles desconfiaram e levaram-me ao médico, que me fez uma radiografia. A doença tinha evoluído, e eu já tinha uma mancha no pulmão… Mas o médico disse aos meus pais que a mancha significava que o meu corpo já tinha reagido, e eu ia sobreviver”. “Incrível”.

“Outra vez, estava na praia, no mar. Ultrapassei uma duna e fui nadando, até que me desviei da duna e fui parar junto de um buraco. Com as ondas e a corrente, não conseguia voltar para trás. Despedi-me do meu carro, dos meus amigos, dos meus cães. Não pedi ajuda a Deus. Pensei: Se tanta gente, crente e ateia, passou por esta situação, Lhe pediu ajuda e morreu na mesma, de que me serve eu pedir-Lhe socorro? Já tinha desistido, até que pensei: Nada na diagonal, para voltares para perto da duna e conseguires chegar ao outro lado, em direcção à praia. Nesse dia, disse à minha amante: Olha, tudo o que nós tínhamos programado para hoje já não vai existir. Estou muito, muito cansado.”. “Acredito”.

12573946_10153878993766552_6562115930314735625_n

“Numa altura, tinha um cargo de chefia numa multinacional farmacêutica, e andava sempre de fato, de uma reunião para outra, pelo mundo fora. Nesse dia, o autocarro para o aeroporto atrasou-se, e, por isso, perdi o avião, além de que já não tinha tempo para ter o fato engomado e preparado para a reunião. Fiz um telefonema a dizer que não iria conseguir ir à reunião, porque tinha perdido o avião. Nessa época, na década de 50, o presidente Eisenhower tinha viajado para lá, numa visita ao Brasil. O avião onde seguia a banda filarmónica que costumava acompanhar o presidente nas suas viagens colidiu com outro. Morreram todos os músicos e o resto dos passageiros. Só se salvaram dois Marines, porque a parte do avião onde seguiam se partiu, eles caíram ao Mar e conseguiram nadar até terra. O avião que colidiu com o da banda foi o avião que eu perdi”. “A sério?”.

“Um dia, viajava de comboio, e ia agarrado à porta, do lado de fora. Vinha um comboio na direcção contrária, com uma mulher também presa na porta. Numa curva apertada, os dois comboios aproximaram-se um do outro, em grande velocidade. A mulher tinha consigo uma marmita, com arroz com feijão. Não ia bem segura, ao contrário de mim. Saltou no ar, bateu no meu comboio, passou a milímetros de mim. Já vinha morta quando passou por mim. Se me tivesse acertado, tinha sido morto por um cadáver voador. Quando fui ver o fato, tinha umas manchas. Arroz com feijão”.

ceu 33

“Bem, meu querido amigo. Estou sem fôlego. Desejo-lhe um bom dia 1 de Janeiro, e um bom ano”. “Um bom ano para si. O meu amigo da Comunidade Vida e Paz veio visitar-me aqui no chão da calçada onde vivo, já não passei o primeiro dia do ano sozinho.”.

“Dê-me gasolina para o avião, se faz favor!!”

Foi pouco depois de 1965. Quase ninguém tinha televisão em Portugal, e mesmo os rádios não eram uma coisa que existisse em todo o lado.

Os meus pais tinham a instrução primária, a minha mãe viera para Lisboa trabalhar como empregada aos 11 anos, e o meu pai tinha feito a tropa em Angola.

Em Portugal não havia perspectivas de vida, e o casal emigrou para a Alemanha, para conseguir ter uma existência melhor e constituir família. É claro que nunca tinham falado alemão, nem nenhuma outra língua além do português, mas não se atrapalharam.

A minha mãe aprendeu rapidamente e ao fim de algum tempo já se confundia com os alemães, o meu pai concentrou-se no essencial e usou a sua mítica capacidade para comunicar com qualquer ser humano, de qualquer nacionalidade, sem que ninguém saiba bem como.

As aventuras sucediam-se. Um dia, entrou numa bomba de gasolina e disse: “Queria gasolina para o meu avião!”. A senhora ficou a olhar para ele. Em alemão, afirmara desejar combustível para o “Flugzeug”, avião, quando na realidade pretendia abastecer o “Feuerzeug”, isqueiro.

Ainda insistiu, até que finalmente se entenderam. Era uma confusão perfeitamente normal. Noutra ocasião, também entrou numa mercearia e pediu que lhe vendessem seis horas, se faz favor. “Sechs uhr, bitte!!”. A surpresa de quem o atendeu não foi menor.

Algum tempo depois a empregada percebeu que o que ele ia ali procurar eram, na verdade, “Sechs eier”, seis ovos. Outro equívoco que acontece a qualquer um, já que, neste caso como no anterior, a pronúncia era parecida.

clock-12-15_33609_sm

Uns pares de décadas depois, pareço ter herdado estas capacidades de comunicação prodigiosas da minha família. Numa viagem a Espanha, há uns bons anos, a senhora do Mac Donald’s perguntou-me se o meu Happy Meal era de “Niña” ou “Niño”. Sem que se perceba porquê, achei que me estava a perguntar qual era a bebida que queria. Respondi: “Viño!!”.

Numa confeitaria, aconteceu-me algo parecido. A empregada perguntou-me se eu queria um cone com nata ou chocolate. Uma pergunta que, em espanhol ou português, é praticamente igual e soa basicamente ao mesmo.

Influenciados pela gula, os meus dotes linguísticos baralharam-se. Respondi-lhe que queria o “cono con nata o chocolate”, o que, na minha mente confundida e carente de açúcar, queria dizer “nata e chocolate”, tudo junto.

Demorou um bocadinho até que atingíssemos um entendimento, já que eu achava que ela estava a ser estúpida, por não me perceber… Anos depois, os dotes linguísticos do meu pai (extremamente pragmático) e da minha mãe (mais intelectual) não se perderam, e passaram para a geração seguinte!

Consoada vegan entre carnívoros

Apenas saio de casa às cinco, concluindo que a minha família felina é mais importante que as celebrações natalícias, e dando-lhes uma hora de mimos dedicados para compensá-los por uma ausência de umas quantas horas.

Chego ao local das festividades familiares e ouço comentários como “já estava preocupado, pensava que não vinhas! Estava a a ver que tínhamos que começar sem ti”.

thumbnail_IMG_20161106_125712

Sento-me, escondido entre o meu pai e um sofá, e a sensação é um pouco estranha. Sei o que vou comer, e sei que nesta casa vou sempre sair de barriga demasiado cheia, em quaisquer circunstâncias.

Mas é a primeira vez que me vejo perante estas tradições anuais (MUITO adaptadas) nesta postura. Este ano, e nos próximos séculos, há uma quantidade apreciável de coisas de que não vou querer saber. Os camarões, a sapateira, os mexilhões, a manteiga no pão, a linguíça assada, as filhós, os sonhos e outras tantas personagens principais deste elenco.

thumbnail_IMG_20161104_131328

À minha espera está uma deliciosa e substancial sopa de feijão e couve, bem quente, que, por si só, seria suficiente para abrir e fechar as hostilidades.

Depois há pão alentejano e vários tipos de tostas irresistíveis com manteiga totalmente vegetal, marmelada e doce, que me entretêm durante umas horas. E também pupias, uns belos biscoitos tradicionais, redondos e feitos apenas com azeite, farinha e fermento.

thumbnail_IMG_20161106_134118

Há grandes quantidades de amêndoas torradas, amendoins torrados, nozes e sementes de abóbora. Quando chegam os bolinhos de alfarroba já não há estômago que aguente, vão ter que ficar para outra altura.

A salada de frutas, sem açúcar e composta por mais de meia dúzia de frutas, incluindo manga, banana, romã, mirtilos, papaia, laranja e daí por diante, também já só vai ser ligeiramente provada, mas daí a algumas horas ainda há-de estar mais saborosa. “Nem sequer queres bolo-rei?! Que exagero!”.

thumbnail_IMG_20161106_125636 (1)

No dia seguinte há mais. Ao almoço esparguete com feijão, couve, cenoura e tomate, salada de frutas e frutos secos. A fartura é tanta que nem consigo jantar.

Para que alguém faça alguma coisa

A rapariga é apanhada desprevenida mas esboça imediatamente um largo sorriso, mostrando os seus dentes brilhantes e os olhos escuros e acolhedores.

Olá! Como está? Como se chama? Já ouviu falar em nós?”. “Sim, claro. Ouço as notícias todos os dias na rádio, e penso na guerra da Síria, nos refugiados, nas mulheres, nas crianças… Ninguém faz nada por eles, e ninguém tenta fazer, a não ser vocês, as Organizações Não Governamentais (ONG). E com muitas dificuldades”.

14670899_1205861812785757_5694487509266811482_n

Pois é. Deixe-me mostrar-lhe as várias formas de ajudar a UNICEF, e os valores de cada um dos donativos. Sabe quanto custa vacinar uma criança contra a poliomelite?”. “Sei lá… Um euro?”. “Foi a pessoa que se aproximou mais do valor real. Trabalha em saúde?”. “Não, mas penso muito nestas questões”.

Enquanto me pergunta se moro na Quinta do Conde ou em Alcântara, onde acha que já me viu, a rapariga, que se chama Joana Ribeiro, revela-me a resposta à pergunta.

14702277_1205861806119091_1921779697423967375_n

43 cêntimos. Acha que podia pagar uma vacina contra a poliomelite por dia? Agora, só temos um problema. Mesmo que eu morasse perto de si, não me dava muito jeito ir buscar as 43 moedinhas a sua casa todos os dias”, diz, e gesticula expressivamente.

Vou preenchendo o impresso com os dados, e recebendo a chamada de confirmação dos mesmos, do call center da UNICEF. Observo os sorrisos e a simpatia das voluntárias e voluntários competentes e profissionais da organização, apesar do frio que atinge o centro da cidade naquele dia.

14656387_1205861696119102_2213725131729934232_n

Continuo a pensar nas crianças, nas mulheres e nos velhos da Síria, assassinados em massa por Assad e Putin sem defesa nem preocupação por parte do mundo.

14666190_1205861686119103_7858079810117613370_n

Ninguém fez nada por eles. Ninguém quis saber deles. A não ser algumas ONG, que tentaram salvar algumas dessas pessoas, mas com grandes dificuldades e poucos resultados, porque não as deixaram. Fico a torcer para que esta rapariga e os seus colegas consigam muitos apoiantes. Para que alguém tente fazer alguma coisa.

14729353_1205861692785769_7281528886562821533_n

Os amigos que chegam na noite fria

O percurso habitual tinha duplicado e estava repleto de paragens desconhecidas. Os voluntários, ataviados com adereços de Pai Natal e chocolates também a ele alusivos, além da comida regulamentar, decidiram sair da Comunidade Vida e Paz mais cedo, o que não aconteceu, porque, antes de irem apoiar as Pessoas Sem Abrigo de Lisboa, um dos elementos da equipa estava a tentar salvar um gatinho vítima de um acidente.

thumbnail_IMG_20161126_200851

Nove seres saem da sede já com algum atraso, em busca de pontos de passagem enquadrados por pouca informação. No primeiro, há um homem angolano que diz viver sozinho num ermo debaixo de uma estrutura rodoviária, mas está rodeado de dezenas de objectos e sacos que parecem dizer exactamente o contrário.

thumbnail_IMG_20161124_190553

Na meia hora seguinte, meia dúzia de novos pontos vão sendo encontrados, com o telemóvel de um, os conhecimentos de outro, a experiência dos restantes.

thumbnail_IMG_20161124_191152

No local mais concorrido por pessoas carenciadas e instituições que as ajudam, as obras são tantas e tão caóticas que é quase impossível entrar.

thumbnail_IMG_20161208_192425

A carrinha fica a alguma distância, é vista ao longe pelos que a procuram com os olhos. Entre uma sandes, um bolo e um iogurte, põe-se a conversa em dia com os amigos que já se conhecem e apoiam há anos. É Natal. A mulher com ar de nossa tia, que diz sempre mal de tudo e de todos, está hoje em absoluta paz e amor com o mundo.

798_10151278072316552_74905844_n

Também por causa das obras, o casal que arruma carros do outro lado da avenida não tem trabalho e não está presente. E alguém até tinha trazido umas roupinhas para ela.

thumbnail_IMG_20160902_061751

Numa rua lateral, o homem que já sobreviveu a todos os acidentes imagináveis mostra ar surpreendido. Respondem-lhe: “Pois é, a carrinha chegou muito mais tarde… Novo percurso, a localização dos pontos ainda não está muito clara”. “Sim, sim, eu sei… As equipas dos outros dias tiveram o mesmo problema”.

thumbnail_IMG_20161127_013438

Pela primeira vez em anos e anos e anos, porque é Natal e de atrasada a Volta não passa, a equipa abre uma excepção e decide fazer um jantarinho abreviado no Burger King.

15683493_10211846184379766_88956827_n

O elemento vegan do grupo come batatas e bebe cerveja enquanto discute mais ou menos civilizadamente, explicando que os cheesy bites têm queijo, e tudo o que é feito com queijo, leite, iogurte ou manteiga implica a violação do animal macho e do animal fêmea, que passa toda a vida em gravidez permanente para dar leite e vê os seus bebés imediatamente retirados e assassinados na hora, ao longo de toda a sua existência.

O profeta da calçada dorme profundamente, hoje não partilha com a equipa as suas fascinantes aulas de filosofia, religião, política, geografia, história e estratégia militar pacifista, já que a carrinha chega com mais de uma hora de atraso.

Sem a loucura, a boa disposição, a animação, os remoques pontuais ou ocasionais alfinetadas entre os nove voluntários-amigos-companheiros-camaradas levar uma palavra de esperança e um caminho de mudança às Pessoas Sem Abrigo nunca poderia acontecer.

Conversa civilizada entre um vegan e um carnívoro

“Sabes o que é que eu acho disso tudo, não achas? Que é tudo uma grande parvoíce!!”.

“Sim, claro que sei.”.

“Olha, por exemplo, o que é que acontecia aos porcos, às vacas e às galinhas se de repente toda a gente deixasse de comer carne?”.

thumbnail_IMG_20161211_133931

“Então, deixava-se que vivessem tranquilamente até ao fim da sua vida, e parava-se de produzir, escravizar, torturar e massacrar esses animais simplesmente para dar prazer aos humanos.”.

“Mas ninguém ia querer cuidar deles! Porque não continuar a comê-los?”.

“É como te digo. A minha única razão para não comer carne nem quaisquer produtos de origem animal é o sofrimento e a tortura. Esses animais são torturados, abusados, violados e massacrados durante todos os dias da sua existência, apenas para que os humanos possam sentir o desnecessário e prescindível prazer da carne.”.

thumbnail_IMG_20161104_131328

“Mas olha que, há 80 anos, no campo, os animais que nós usávamos na agricultura também eram torturados a vida toda, e não era pouco!”.

“Há graus e graus de tortura. Não compares a vossa agricultura de sobrevivência de há 80 anos com o monstro da indústria agro-pecuária mundial de hoje. Além disso, eram outros tempos!”.

“Olha, é como ser contra as touradas! É a mesma coisa!”.

“Pois é, é a mesma coisa. E tu bem sabes que eu sou contra as touradas desde que existo, apesar de só ter começado a fazer uma alimentação vegan há uns dois meses…”.

thumbnail_IMG_20161106_121439

Gatos que saltam para o colo

Há aqueles gatos que não gostam que lhes peguem ao colo. Como a Matilde. Mas, com o passar dos anos, hei-de persuadir a minha princesinha. Já consigo levantá-la um bocadinho, sem ela protestar, dou-lhe uns beijinhos e devolvo-o ao chão, enquanto mia amorosamente para mim, pedindo-me mais festas.

jeremias 21 outubro 2016 - 2

Ou o Jeremias. No caso dele bastam mais alguns meses, porque já é quase possível. O Chiquinho, se estivermos para aí virados (eu estou sempre), consigo andar com ele a passear pela casa, espreitar pelas janelas, ir ao quarto, à cozinha, sempre com ele ao colo.

thumbnail_IMG_20161217_173233

E depois há a Amélia. Melhor dizendo, a “Gááta!!”, o nome que ela própria escolheu usar. A Gáta é a razão de ser destas linhas, e o motivo pelo qual elas custam a desenhar-se no teclado…

thumbnail_IMG_20161220_092341

A minha esguia pantera negra não apenas me pede colo de cinco em cinco minutos. Não se limita a amarinhar por mim acima, em busca dos meus ombros para se instalar, e dos fechos e cordões dos casacos para puxar com as suas mãozinhas e morder, feliz e satisfeita, ronronando. “Crrrrrrr, crrrrrr, crrrrr, crrrr”.

thumbnail_IMG_20161208_174845

Se eu estiver, como há pouco, a matar tempo para fazer um telefonema à hora certa, ela vem parar aos meus braços, nem sei como, e adormecemos ambos por momentos a olhar um para o outro.

thumbnail_IMG_20161024_110723

Quando chega a hora, aviso-a, convenço-a suavemente e vou colocá-la num lugar confortável e quentinho, enquanto pego no telefone. Do outro lado, não atendem.

thumbnail_IMG_20161024_110651

Mexo no telemóvel, no PC, no bloco de notas… Sem dar por isso, já está outra vez colada a mim. Acaba por aninhar-se sobre as minhas pernas, enquanto vou picando as teclas com as pontas dos dedos.

thumbnail_IMG_20161210_123550 (1)

Para alguém que começou a ser seduzido há meia dúzia de anos por estes espíritos meigos de quatro patas, há duas grandes verdades na vida. Primeira, os gatos são seres absolutamente maravilhosos. Segunda, não há dois felinos iguais.

thumbnail_IMG_20161024_111053 thumbnail_IMG_20161024_111057

O Dostoievsky foi adoptado!

O fado de Dostoievsky e o rumo da minha vida estavam ligados, entre si, há muito, muito tempo. Naquela época, algures na Primavera de 2016, eu trabalhava na empresa que me deu bom pão e melhor mesa por mais de uma década.

Dostoievsky, a quem, de início, não se sabia nome, apareceu por ali um dia, certamente abandonado por quem não lhe conhecia ou percebia as qualidades… Do ser doce, meigo e emotivo que Dostoievsky sempre fora.

Mas alguns trabalhadores da empresa, homens de barba rija e coração mole, deram-lhe o carinho, a boa comida e o abrigo confortável que ele procurava.

Depois, esses homens sensíveis e dedicados do armazém e da manutenção falaram comigo. Na mesma altura em que saí da empresa, começava a nossa missão de procurar um lar para o Dostoievsky, que, na altura, esteve quase para chamar-se Malhadinho – já que, de facto, ele é malhadinho.

13692741_527223607487397_2152761614957923353_n13718523_523533111189780_8807925163427060910_n

Nesses dias conheci a Fátima e a Débora, dois anjos da Rafeiros SOS, e esse foi o ponto de passagem seguinte, e de baptismo, para o Dostoievsky. Mas como este menino já tinha uns dois ou três anos, e não tinha alguma característica física que o fizesse destacar-se muito no meio de diversos gatos, era difícil…

14079470_539954619547629_6347971514671950670_n15492332_604344063108684_8000626431345852166_n

A Fátima lembrou-se de colocá-lo aos cuidados do Café Aqui Há Gato, o café simpático e acolhedor que foi responsável pela adopção de muitos e muitos lindos seres felinos sem lar nem família. No Aqui Há Gato, o Dostoievsky foi sintetizado em Dosty, porque Dostoievsky era longo e complicado de dizer.

13934650_536153763261048_4608437259654307280_n15542372_604344039775353_4391559328093247632_n

Este fim-de-semana, chegou a única prenda de Natal que eu queria, e aquela que mais desejava. O Dostoievsky foi adoptado! Infelizmente, no mesmo dia soube-se também que o Café Aqui Há Gato fechou as portas, na mesma data em que conseguiu várias adopções de gatinhos meigos e carinhosos. Um até sempre agradecido, Café Aqui Há Gato!

14022201_540399566169801_411345621983596661_n15400296_599049160304841_6566368316522441803_n