Assédio Sexual

Longe do incêndio político que assola Portugal arde uma polémica relacionada com o assédio sexual, a partir do caso Harvey Weinstein e de como estas práticas estão generalizadas em Hollywood e fora dela.

Dos depoimentos de algumas jornalistas e especialistas internacionais ouvidas em estúdio fica-se com a ideia de que todas as mulheres, ao longo da sua vida, já foram vítimas de assédio uma ou mais vezes.

Perguntei a uma pessoa do sexo feminino se alguma vez já lhe tinha acontecido, e a reacção não foi completamente linear. Uma palmada no rabo é sempre assédio sexual? A resposta tendencial será sim.

As tais especialistas televisivas iam ainda mais longe, criticando o facto de alguns homens, em ambiente de trabalho, fazerem observações sobre a roupa e o aspecto exterior das suas colegas.

Poder-se-ia dizer que convém evitar exageros fundamentalistas.

Ao longo da minha vida, assisti a várias situações de assédio, em que alguém, com uma posição hierárquica dominante, tentou de forma sistemática e obsessiva obter favores sexuais utilizando para tal essa mesma autoridade.

É uma situação desagrádavel e desesperante. Para a vítima…

E também para quem quer que tente ajudá-la, o que será sempre extremamente difícil. É uma sensação de impotência asfixiante.

Se uma em cada dez mulheres já tiverem passado por esta situação, é demasiado.

Se nove em cada dez a sofreram, como parece provável, é impensável.

É tempo de deixarmos de viver no século XIX, e passarmos a existir no século XXI.

A Impotência

Concordo perfeitamente com a necessidade de demitir, pelo menos parcialmente, o Governo de Constança e Costa depois dos incêndios de 15 de Outubro e 17 de Junho.

Mas penso que é igualmente preciso derrubar o Executivo de Costa e Sócrates, o de Cristas e Passos, o de Santana, o de Durão, o de Guterres, os de Cavaco e talvez também os de Mário Soares.

Todos eles nos deram uma ajuda, para conseguirmos chegar ao desgraçado ponto em que nos encontramos hoje.

Os incêndios são cada vez mais e a prevenção diminui a olhos vistos.

Na década anterior, transferiram-se investimentos e preocupações da prevenção para o combate, revigorando o negócio privado da luta contra os fogos.

Neste momento, se a prevenção já não funcionava há muito tempo, a reacção vai pelo mesmo caminho.

São permitidas construções no meio de áreas florestais (que não são limpas nem preservadas por ninguém), e depois parece muito estranho que as chamas cheguem às edificações e aos seus habitantes.

A distribuição de meios operacionais ao longo do ano mantém-se igual, deixando o dispositivo impotente no final do Verão, como se não vivêssemos uma mudança ambiental radical: As alterações climáticas existem.

Os particulares continuam a fazer queimadas em zonas e dias de alto risco, sem se preocuparem com o perigo e sem que haja fiscalização.

Depois do que aconteceu em Pedrógão Grande, os sistemas de alerta e comunicação permanecem inúteis. O Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal, SIRESP, parece ser um mecanismo luxuoso e excelente, desde que não haja qualquer tipo de emergência.

O ordenamento do território e da floresta são uns sujeitos que foram de férias há anos e nunca regressaram.

O Instituto de Conservação da Natureza e Florestas não tem orçamento.

As estruturas de comando da Protecção Civil foram substituídas por profissionais sem experiência na área, no início da época de incêndios.

O crime de fogo posto, responsável por grande parte das ignições, compensa, a avaliar pelas penas decididas pelos tribunais.

E o país vai ardendo.

“Agora a minha droga é outra”

Quase a correr, ar jovial e sorridente, não se percebe muito bem o que este homem de trinta e poucos anos pretende. Aproxima-se, olhos brilhantes, dentes brancos à mostra.

Comunidade Vida e Paz, Comunidade Vida e Paz! Muito bem! Estive numa das vossas quintas. Há 15 anos tiraram-me da rua e do vício, e agora acabei de ser pai. A minha nova droga está aqui ao lado na maternidade, é a minha filha!”.

Apanhada de surpresa por esta abordagem rápida e eufórica, a equipa demora alguns segundos a perceber, e dá repetidamente os parabéns ao novo pai.

Se algum voluntário estivesse à espera de qualquer compensação, certamente seria esta.

A de saber que, graças à Comunidade Vida e Paz, há pessoas que saem de debaixo das estrelas e das condições difíceis em que vivem, reocupam o centro da sociedade e podem concretizar o sonho de construir uma família.

Voltamos à conversa com A, que deixou a rua, regressou para lá e depois voltou a conseguir viver num quartinho, graças aos seus esforços infindáveis e à ajuda de algumas instituições que o apoiaram.

Por acaso não conseguem arranjar-me um aspirador velho e uma televisão usada? É que limpar com um aspirador é completamente diferente de lavar e varrer: Com a vassoura a sujidade fica lá na mesma. Não tem nada a ver. Se por acaso encontrarem uma dessas coisas algures pelo caminho, não se esqueçam de mim”.

A poucas centenas de metros, o dono de uma tatuagem que lembra um arame farpado fala-nos de como era a vida na prisão por onde passou. “Havia televisão a cores, filmes pornográficos, playstation. Uma maravilha.”.

Bem, isso é melhor do que em casa de muita gente!”.

70 refeições, 15 conversas, braços abertos para oferecer os apoios que sejam pedidos e que possam ser dados. Para que mais gente possa sair daqui e conhecer o bem estar que vive agora o primeiro homem que encontrámos esta noite.

Pela dignidade animal

A mulher magra e seca de mais de 60 anos está sentada na sala de espera, com um ar irritado e impaciente.

Sobre as suas pernas uma forma castanha e imóvel de dez centímetros, que não se distingue das calças.

Poucos minutos depois é atendida por alguém especialista na matéria e queixa-se.

Está muito prostrado, muito prostrado! Acha normal?! É normal?!”.

Bom, isso é o que vamos tentar perceber, depois de eu analisar o cachorrinho”.

Ao lado, na recepção, o auxiliar franze o sobrolho e comenta, com ar simpático e interessado: “Oh, mas ele pode ser mesmo assim… Pode ser um cachorro sossegadinho”.

O bebé canino continua sobre as pernas da mulher, completamente parado e indiferente à discussão sobre si próprio que se desenrola à sua volta.

A cliente continua a protestar, a lamentar-se e a sublinhar que o pequeno animal não tem energia, e que isso não é normal.

Acho que vou trocá-lo pelo outro”, vai repetindo, muito incomodada e aborrecida com esta grande contrariedade.

Enquanto, na clínica, lhe pedem para esperar pela sua vez e se preparam para ver o que se passa com a bolinha de pêlos que não se manifesta, telefona para alguém da família.

Acho que vamos trocá-lo. Vamos trocá-lo pelo outro. Mas não digas nada. Faz de conta que não aconteceu nada”.

A mulher mantém o mesmo semblante agastado e enjoado até chegar o momento de ser atendida.

O bichinho triste e sem força anímica deve ser de raça e ter sido comprado, e aquela que iria supostamente ser a sua protectora está, acima de tudo, a interrogar-se sobre se este será “um bom cão”:

Divertido, obediente, respeitador, a companhia/brinquedo adequado para os netos.

Se o indefeso ser de quatro patas está saudável ou não, se este comportamento coloca ou não em risco o seu desenvolvimento e bem estar, isso é a última coisa que lhe passa pela cabeça.

Salta à vista que algumas pessoas são mais que adequadas para dar um lar, felicidade e segurança a um animal… E outras, nem deviam chegar perto deles.

Da mesma forma que a criação e venda de animais de estimação é um mero negócio, uma transacção de “objectos vivos” descartáveis.

Aos vendedores interessa ganhar dinheiro, estando-se os mesmos nas tintas para o bem estar da sua “propriedade comercial”.

Para os compradores trata-se de adquirir um objecto, e se este não corresponder às exigências que idealizaram na sua cabeça, o artigo troca-se por outro.

Segundo a RTP, em 2009 um milhão de animais de estimação eram abandonados analmente. A quantidade de animais que se encontram abandonados neste momento será certamente superior a esse número.

Cada vez que um cão ou gato é vendido, há um cão ou gato, dessas largas centenas de milhares, que nunca terá um lar, uma família, alguém que o ame e o proteja.

O silêncio dos feriados

Não se ouvem as pessoas a ir apressadamente para o trabalho, os carros e autocarros a apitar, os cafés e as lojas a abrir e a acolher os seus clientes.

Escuta-se o silêncio, a calma e a paz da cidade, e pouco mais. É feriado. Dia da Implantação da República. E calha num dia de semana, Quinta-Feira.

Sento-me no sofá, a ler o inquietante e perturbador The Night Of Morningstar, protagonizado por Modesty Blaise, oferecido há 31 anos, editado quatro anos antes.

A minha princesinha Matilde mia, abraça-se a mim e ali fica.

Às nove, vou comprar o jornal à bomba de gasolina, a pé. Volto, leio algumas das páginas e atiro-me à corrida diária de uma hora.

Hoje só há turistas, e já são muito menos do que em Agosto, ou até do que nos dias de semana normais. Não há a azáfama própria dos dias de trabalho. Consegue-se correr com tranquilidade.

Volto a casa, tomo banho, devoro uma boa sopa de leguminosas e vegetais mais que variados e 40 páginas de anúncios de emprego, dos quais respondo a meia dúzia, adequados para aquilo de que preciso e que procuro – nada na minha área original, onde não faz sentido continuar a apostar.

Passo o dia todo com os aparelhos sonoros desligados – rádio, televisão -, apreciando os sons pacíficos e harmoniosos que saem da rua.

Após este trabalho de busca de algumas horas, permito-me o luxo mensal de uma ida ao cinema.

É adorável andar nas ruas e nos transportes nestes dias, e é algo que já não fazia há algum tempo.

A calma invade-me.

Horas depois chego a casa, e o ambiente é exactamente o mesmo.

Após uma tarde de ausência, os meus quatro coabitantes felinos protestam com veemência e exigem atenções e carinhos redobrados.

Passou mais um dia. Um dia diferente.

Dia de votar

São cinco da tarde, agora queria ver o que se passa na política”. “Na política? As urnas ainda não fecharam”.

Sim, mas parece que em Espanha há feridos”. E havia. 800.

Não tenho uma opinião muito definida sobre o nacionalismo catalão, nem é isso que conta agora.

É uma história complexa. A Constituição espanhola não contempla referendos independentistas nem processos de separação.

Com a oposição das forças madrilistas, o governo e o parlamento regional catalão só poderiam ter feito aprovar um referendo independentista ilegalmente, e assim fizeram.

Com alguns episódios cómicos e caricatos, não especialmente edificantes, as forças que são oposição em Barcelona e que apoiam o governo central em Madrid foram impedidas de se pronunciar sobre o referendo e discuti-lo.

Já se sabia a sua opinião, e que tentariam impedir por todos os meios a convocação do referendo…

O Governo central de Madrid assumiu uma posição radical que muito agradou aos mais radicais de entre os independentistas.

Ao mandar polícias de choque contra velhinhas, crianças, jovens e homens de meia idade, a todos deixando em sangue e no hospital, Mariano Rajoy produziu as imagens de televisão e de redes sociais de que os radicais precisavam.

Agora, os independentistas são vítimas oficiais e públicas, bem documentadas, da repressão e ferocidade do Estado Espanhol, algo que, ingenuamente, não esperávamos ver no século XXI.

O radicalismo centralista e o radicalismo independentista seguem dentro de segundos.

Em Portugal, o homem que ganhou as eleições legislativas encontra-se agora acossado, humilhado, derrotado e desprezado pelos seus.

A mulher graças a quem as velhotas e velhotes de Lisboa foram despejados das suas casas ficou em segundo lugar nas eleições em Lisboa.

O homem que perdeu as eleições legislativas está agora mais perto de uma maioria absoluta nas próximas.

As forças que acompanharam o Governo e avermelharam com um pouco do seu sangue político o rosa do PS, afastando a austeridade e suavizando o garrote de Bruxelas, vivem agora dias difíceis.

A geringonça pode ter-lhes sido prejudicial em termos de votos. A vida é injusta.

No canto de um corredor escuro

M poderia perfeitamente estar connosco a almoçar, na sala de jantar, e ser o nosso tio, avô, primo ou cunhado:

Está bem vestido, absolutamente limpo e cheira bem.

Mas vive num canto de um corredor escuro, em plena capital nacional, no meio do frio, da humidade, do barulho da vida nocturna e do abandono.

Pede-nos que chamemos os Médicos do Mundo, porque ficou sem a medicação e não se sente bem.

A coordenação da Comunidade Vida e Paz tratará disso rapidamente.

Os problemas deste homem com alguns dentes a menos – a única coisa que afecta a compreensão do seu discurso perfeitamente lógico e articulado – começaram quando o filho, com quem vivia, arranjou uma nova namorada.

A mulher virou-o contra o pai: Passou a estar afastado dele e a tratá-lo mal.

A rapariga queria mandar o sogro limpar toda a casa onde viviam – “e bem limpa”, exigia – como se fosse criado do casal.

Depois de agredir o pai verbal e fisicamente várias vezes, o filho expulsou-o de casa. Pô-lo na rua como se fosse um objecto ou um pedaço de lixo.

Há dias, roubaram-lhe a mala onde tinha roupa, artigos de higiene e medicação. Isto pouco depois de alguém, que conhece indirectamente o filho, lhe ter perguntado especificamente se estava a viver na rua, e onde.

O local é bastante escondido, e só quem saiba exactamente onde fica o encontra. O que o leva a crer que o responsável pelo roubo foi o filho.

Diz que nunca poderá perdoá-lo por tudo o que lhe fez e abraça-se a nós a chorar e a pedir desculpa insistentemente.

A conversa dura quase uma hora. Ainda há mais dezenas de pessoas que precisam de ser ajudadas, e a carrinha acaba por partir.

Cinco horas depois, no final da noite de apoio às Pessoas Sem Abrigo da cidade, a equipa volta a passar pelo local.

Dorme, enrolado, tapado e com um ar mais pacificado. A Comunidade Vida e Paz continuará a acompanhá-lo e a ajudá-lo como conseguir.

Se Deus descesse à Terra

Após um almoço retumbante, antes de um lanche arrasador e durante um filme hollywoodesco visto no ecrã monumental da sala, escuta-se a campainha tocar.

Ouve-se a minha mãe dizer várias vezes “não estou interessada”, “mas eu não estou interessada” e, de novo, “não estou interessada”.

Há uma voz feminina de tom geriátrico que vai respondendo “mas este é um acontecimento muito interessante”, “mas estamos abertos a todos os tipos de pessoas” e “mas podemos conversar sobre todas essas questões”.

O diálogo chega ao fim. Aparece metade de uma folha A4, dobrada em dois. É revelado o seu conteúdo:

O sofrimento vai acabar algum dia? Diria… Sim? Não? Talvez?

Ficamos então a saber. A Bíblia diz que Deus enxugará dos olhos “deles” todas as lágrimas. Não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor.

A dar crédito ao pequeno papel colorido, a Bíblia informa ainda que Deus não causa os nossos problemas e entende o sofrimento que experimentamos. E esclarece-nos de que todo o sofrimento vai acabar.

Seguindo esta ordem de ideias, a bíblica fonte explica que Deus odeia o sofrimento, fica indignado quando nos prejudicamos uns aos outros e se preocupa com cada um de nós!

Através do seu Reino, que está para chegar, em breve acabará com o sofrimento de cada pessoa.

A informação é bastante reconfortante, embora mereça o devido escrutínio e o estudo de fontes diversificadas sobre o assunto.

Se olharmos à nossa volta um minuto, parece ser exactamente o contrário que está a acontecer.

Não faltam exemplos, mas há um bastante adequado.

Na Birmânia, no Bangladesh, na Índia e no Paquistão há um povo sem Estado nem território, os Rohingya, que tem sido perseguido e dizimado há décadas pelo governo birmanês.

Apesar de os Rohingya viverem na Birmânia desde tempos imemoriais, o regime não os reconhece como habitantes birmaneses.

Não lhes é concedida cidadania, pelo que não têm boa parte dos direitos básicos e óbvios de qualquer ser humano.

Os outros países da região também não os aceitam: Vivem como párias, como não-pessoas, sendo rejeitados, abusados e maltratados em todas essas nações.

Muitos habitam campos de deslocados, infernos terrestres onde continuam a ser vítimas de doenças, fome, intempéries e abusos, totalmente desprotegidos.

Quando chegam a algum dos países vizinhos, sabem que vão ser mandados de volta para a Birmânia, onde, provavelmente, serão mortos.

Chegam a dizer:

“Preferimos que nos matem já aqui, em vez de regressarmos”. Em vez de regressarem à Birmânia, o país cuja presidente-Nobel da Paz Aung San Suu Kyi não reconhece a sua existência, não pronuncia nunca o nome da sua etnia e diz que não percebe porque fogem.

Os Rohingya são certamente daqueles que muito agradeceriam se Deus chegasse hoje à Terra e resolvesse os seus problemas. Seria fantástico se isso acontecesse.

As sezões e as sazões

Uma sezão é um acesso de febre, intermitente ou periódico, precedido de frio e calafrios.

Uma sazão, do latim statio, é uma estação do ano, tempo propício para alguma coisa, quadra favorável ou conjuntura.

As duas estão intimamente interligadas, digam o que disserem.

O Verão estará brevemente morto e enterrado, quer queiramos quer não. A Amélinha, a “Gááta!!”, o Chiquinho, o Jeremias e a Matilde já perceberam isso há uma porção de dias.

Estão mais amiguinhos. Passam boa parte do tempo enrolados e agarrados uns aos outros. Concentram-se os quatro, ou três, ou no mínimo dois, em espaços de dez ou 15 centímetros.

E passam a noite em cima de mim, encostados a mim, por baixo de mim, ao meu lado.

Esta semana, a “Gááta!!” saltou para as minhas pernas comigo sentado à frente do computador e aqui ficou, horas, a ronronar. “Rrrrrrrrr, rrrrrr, rrrrrrr, rrrrrr”.

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Procuram qualquer raio de Sol, buscam cada janela, demandam fontes de calor, naturais ou artificiais, veneram todas as esperanças de luz e aquecimento.

Comigo é ao contrário. Continuo a andar descalço o dia todo, mas já não é a mesma coisa. De dia, na rua, passeio de T-shirt, mas à noite já não dá.

Ao longo do ano, estarei sempre duas ou três peças de roupa abaixo da Humanidade, como fazem os camones aqui. Mas como não sou camone, vêm então, a partir desta sazão, as sezões.

Tosses. Nariz a fungar. Dores na garganta. Febre. Constipações. Gripes, parece-me, não sei o que são, felizmente.

Ao Chiquinho sucede o mesmo. A sua asma manifesta-se com as mudanças de temperatura. Com as alterações sazonais, lá começa a tossir.

Tem que ir à sua médica, que o põe a respirar alguns medicamentos preventivos, usando para isso uma máscara de bebé, onde enfiamos a sua cabecinha pequena e linda, forçando-o a aspirar tal profilaxia.

Às vezes não é suficiente, e lá tem que levar uma injecção.

O que as sazões e as sezões nos dizem, na verdade, é que já passou mais um ano e ainda cá estamos.

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Apetecia-lhe viver na rua

Fartou-se de estar num centro de acolhimento onde era bem tratado e magnificamente alimentado e voltou a viver na rua.

Aquilo não era para ele, era “para as pessoas que precisam” (como ele, poder-se-ia talvez acrescentar).

Mas U é uma alma livre, e viver dos favores da sociedade, a que tem direito, aos 84 anos, cego e doente, fazia-lhe confusão.

Continua, de dia e de noite, sentado à frente do cinema, limpinho, a cheirar bem, com um aspecto absolutamente impecável, apesar de ser cego, ter 84 anos e viver na rua.

Esta noite, ao contrário da anterior, está conversador.

Visitava-o todas as semanas no centro de acolhimento e na instituição de saúde, mas, nos últimos meses, queria sempre estar sossegado e tranquilo, não desejava que perdesse o meu tempo com ele e por isso não me recebia.

A ver se me esquecia dele.

Assim, não me via há já uma série de meses. Hoje, pergunta-me pelos meus gatos, se estão bem, se continuam saudáveis, se tudo se encontra conforme.

Questiona-me sobre o livro que estou a acabar de preparar, quer saber o que falta.

A revisão, algo que me aconselhou a pedir a um especialista antes de tentar publicá-lo – junto com muitas outras recomendações não menos preciosas.

Mas que tipo de revisão?

Uma revisão crítica. De um jornalista e editor.

Ah, então muito bem, é alguém que está habituado a fazer esse trabalho todos os dias. E mais?

O tratamento das fotos.

Ah, olhe, se fossem fotos analógicas, tiradas com uma lente Zeiss, não precisavam de tratamento nenhum! Mas está muito bem…

Quando lhe falo dos meus gatinhos, começa a contar-me um conjunto de histórias de alguns felinos maravilhosos que fizeram parte da sua vida, há muitos, muitos anos, noutro país, noutro continente.

Alguns deles, nunca os vai esquecer. Os animais especiais são assim. Como o Jeremias, a Matilde, o Chiquinho, a Amélinha…

As pessoas especiais são assim, como ele, U.