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Apetecia-lhe viver na rua

Fartou-se de estar num centro de acolhimento onde era bem tratado e magnificamente alimentado e voltou a viver na rua.

Aquilo não era para ele, era “para as pessoas que precisam” (como ele, poder-se-ia talvez acrescentar).

Mas U é uma alma livre, e viver dos favores da sociedade, a que tem direito, aos 84 anos, cego e doente, fazia-lhe confusão.

Continua, de dia e de noite, sentado à frente do cinema, limpinho, a cheirar bem, com um aspecto absolutamente impecável, apesar de ser cego, ter 84 anos e viver na rua.

Esta noite, ao contrário da anterior, está conversador.

Visitava-o todas as semanas no centro de acolhimento e na instituição de saúde, mas, nos últimos meses, queria sempre estar sossegado e tranquilo, não desejava que perdesse o meu tempo com ele e por isso não me recebia.

A ver se me esquecia dele.

Assim, não me via há já uma série de meses. Hoje, pergunta-me pelos meus gatos, se estão bem, se continuam saudáveis, se tudo se encontra conforme.

Questiona-me sobre o livro que estou a acabar de preparar, quer saber o que falta.

A revisão, algo que me aconselhou a pedir a um especialista antes de tentar publicá-lo – junto com muitas outras recomendações não menos preciosas.

Mas que tipo de revisão?

Uma revisão crítica. De um jornalista e editor.

Ah, então muito bem, é alguém que está habituado a fazer esse trabalho todos os dias. E mais?

O tratamento das fotos.

Ah, olhe, se fossem fotos analógicas, tiradas com uma lente Zeiss, não precisavam de tratamento nenhum! Mas está muito bem…

Quando lhe falo dos meus gatinhos, começa a contar-me um conjunto de histórias de alguns felinos maravilhosos que fizeram parte da sua vida, há muitos, muitos anos, noutro país, noutro continente.

Alguns deles, nunca os vai esquecer. Os animais especiais são assim. Como o Jeremias, a Matilde, o Chiquinho, a Amélinha…

As pessoas especiais são assim, como ele, U.

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