Bem vinda, princesa felina dos domínios vascais                        

Desde ontem à tarde ainda não parou de miar e ronronar. A Matilde já estava nisto quando cheguei à clínica, para a ir buscar depois da operação, e continuou.

Deram-lhe Mirtazepina, para abrir o apetite. É uma espécie de ecstasy dos gatos. Ficam com a moca, todos malucos. Não param de conversar e pedir atenção. Assim tem sido.

Cheguei a casa, tirei-a da transportadora, já com a casa de banho dela, a água, de Monchique, a ração nova e especial e o patê para ela no quarto. Já tinha comido na clínica por isso não ligou muito àquilo.

Fiz os tratamentos habituais aos felinos lá de casa, dei-lhes comida, deixei-os verem-na e ela a eles, só por um ou dois minutos. A Amélinha, a “Gááta!!”, reage mal a estas alterações de rotina.

A Matilde e o Jeremias estavam tranquilos mas a minúscula e lustrosa pantera negra rosnava à assustadiça convalescente. Passámos a noite os dois no quarto, ela sempre conversando comigo.

De vez em quando acendia a luz do telemóvel para ela ver a água, a comida e a casa de banho.

Às tantas vi que já não tinha a nova camisola cirúrgica, que tem fecho de velcro. Havia que vestir-lhe a antiga, cheia de buracos por causa das cirurgias anteriores, mas que tem fecho éclair.

 

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Uma aventura de uma hora, até porque comecei por lha colocar ao contrário. Pelo meio arrancou da pata o penso, que já não era muito necessário, e dedicou-se a tentar tirar o da outra.

Depois dessas cinco horas de cama e sem descanso, fui trabalhar e deixei metade da casa para ela e a outra para os “manos”. À hora de almoço a minha amiga vai ver como param as modas. Bem vinda, princesa felina dos domínios vascais.

Fui visitar a minha menina querida     

Não estava quase nada nervoso. Na verdade, na clínica já me sinto em casa, e quando falo com a Doutora dos Gatos e as auxiliares ao telefone fico tranquilo e despreocupado.

Mas… Ainda não a tinha visto desde a operação, no dia anterior. Lá estava a minha princesa Matilde, ligada ao soro mas completamente desperta, activa e sem  vontade de continuar ali, o que ainda iria acontecer por 24 horas.

Estava sossegadinha mas quando cheguei ao pé dela começou logo a miar e a ronronar. Passou uma hora com a cabecinha encostada à minha mão, a dizer que queria ir para casa, receber os miminhos a que tem direito.

Após a cirurgia estava sem apetite. A Doutora dos Gatos e a Sónia estiveram a persuadi-la clinicamente a ingerir uns bons mililitros de comida, “porque o soro não alimenta”.

Tudo isto entre piadas, gracejos, conversas sobre (a estupidez de criar e apurar) raças, a inabilidade geral dos homens na vida, alguns mimos a um buldogue (essa sofredora espécie que não consegue respirar) e festas a uma Yorkshire quatro vezes mais pequena que a Matilde.

Uma terrível guarda que só queria afagos e demonstrações de amor.

Saí da instituição descansado. A minha cinzentinha está bem. Quando já se encontrar em casa ainda vai ficar muito melhor. Minha querida…

Uma chance para a princesa

Os nódulos da princesinha cinzenta reapareceram. Aos 12 anos a Matildinha tem saúde, felicidade e bem estar, apesar da insuficiência renal e deste problema.

Havia várias razões para lhe dar uma chance – a terceira em mais de três anos – para lidar com esta patologia.

Está com qualidade de vida completa, sempre carinhosa e bem disposta (excepto quando está a ser perseguida pelo mano ou pela Amélinha, isto é, a “Gááta!!”).

A cirurgia implica mal estar psicológico e físico durante algum tempo, e existe o risco de ressurgir a doença pela segunda vez. Mas as duas intervenções anteriores deram-lhe três anos de existência estável e aprazível.

Sinto que tem vontade de continuar a viver e a ser feliz.

Ficou  às 08H30 da manhã na clínica, aos cuidados da insubstituível Doutora dos Gatos.

Teve que permanecer 18 horas em jejum sólido e líquido, e o mesmo aconteceu aos dois companheiros. Fazer qualquer discriminação entre eles nessa epopeia seria uma cruel tortura para ela.

Devido ao meu horário de trabalho e ao da operação só estive quatro horas na cama, e nem um minuto adormecido. O meu lindo e louco Jeremias não considerou adequada esta abstinência de um dia, e manifestou com toda a força o seu desagrado, ao longo desses 240 minutos.

Não houve descanso para o dono.

Ao final da manhã, ligou-me a Doutora, e à tarde telefonei eu. Está tudo bem com a pequenota. Acordou, molinha e cansada, mas clinicamente bem.

Amanhã e Sábado de manhã permanece internada, a fazer soro e uma recuperação tão equilibrada quanto possível. Depois será hora de regressar.

No início do fim-de-semana terá que estar algum tempo separada dos dois companheiros, para não haver conflitos e perturbações. Quando há alterações de rotina os gatos ficam ansiosos e é preciso evitar conflitos agressivos, promovendo uma reaproximação gradual.

A minha querida amiga que mora na mesma cidade virá dar-lhes amor e carinho no meu Domingo de trabalho, se precisarem dessa assistência extra durante a minha ausência de um turno. Até lá, a minha doce companhia não dormirá abraçada, colada e agarrada a mim, lambendo-se e estalando os lábiozinhos de vez em quando…

Seis dias são 11 dias

Voltei de férias… Foram seis dias úteis que deram origem a… 11 dias sem bulir! Tal não acontecia havia 11 meses.

Cortei o cabelo. Comprei aquela peça de roupa de que precisava havia imenso tempo. Adquiri sacos para o meu aspirador, que estava mesmo, mesmo a rebentar.

Fui trocar os vales de aniversário que recebi em Maio por quatro livros de Dostoievsky. Fui ao cinema.

Descobri dois novos restaurantes vegan.

Da rua para o conforto, finalmente

Fui visitar o meu amigo de 86 anos que saiu da rua no Verão, depois de anos a dormir debaixo das estrelas, no frio da calçada, cego, octogenário e com uma colecção de doenças que deitariam por terra qualquer um.

Ficou feliz por me receber. Conversámos durante uma tarde inteira. Há mais de meio ano que está aos cuidados de uma instituição e de uma organização, ambas dirigidas pelo mesmo homem, que se encarregou pessoalmente da sua saúde e do seu bem estar espiritual.

Os seus problemas físicos e imateriais estão a ser cuidadosamente tratados, para que os seus dias sejam mais leves e agradáveis daqui por diante.

Pomos em dia as novidades dos últimos meses. Dá-me conselhos sábios e inteligentes, faz-me perguntas, a sua curiosidade está em forma.

Quando o deixo e fecho a porta da instituição, na rua, umas cabritas passam por mim, acompanhadas pelo seu guardião humano.

Os simpáticos animais hesitam quando vêem o portão semi-aberto. Eu e o pastor brincamos: “Estão a ficar velhinhas, querem ir para o Lar!“.

A caminho do carro, com o Sol a cair no horizonte, a paz do lugar é irresistível. 2019, anda daí!