Ela sorriu para ele na noite. Ele ouviu o sotaque cantado e não pôde deixar de falar com ela.
Ela trabalhou num call-center mas agora não tem emprego. Os sacos de comida da instituição de solidariedade que ele representa têm-lhe dado um jeito que nem se calcula.
Ela tem um curso de Direito e vai fazer um mestrado, tem uma filha em São Paulo que também quer estudar, Medicina, e já viveu em Londres, para onde pensa voltar.
Londres é uma cidade para trabalhar e ganhar a vida. Acolhe aqueles que trabalham e se esforçam.
Os avós são portugueses e ela realizava estudos de opinião para a Pitagórica, mas depois veio a COVID.
Critica a governação portuguesa e diz que é uma tristeza e uma aflição ver que tantas lojas e estabelecimentos fecharam as portas.
Há esperança e brilho no olhar dela. Sorri para ele, agradece muito pela comida, a oferta simbólica que é possível dar.
Guarda um segundo saco de alimentos para a amiga, que vem a pé, tem dificuldades em andar e nunca mais chega, embora os voluntários esperem e esperem.
Ele está de máscara, ela não. Agradece muito, faz aqueles gestos de inspiração oriental que as pessoas agora trocam, na falta de apertos de mão, abraços e afins.
Sorri para ele. Os olhos brilham. Ela vai-se embora. Mas fica o brilho do olhar.