Aí está algo de que não estava à espera. Estava o meu Chiquinho a comer o seu patê para gatos diabéticos, depois de a Matildinha, o Jeremias e a Amélinha terem lambido a sua comida para felinos insuficientes renais. Fui durante um segundo buscar a minha carteira ao hall de entrada…
Começo a ouvir objectos a arrastarem-se e a cair no chão. Caro que os meus companheiros ronronantes cobiçam os alimentos uns dos outros, que não podem comer, devido às suas patologias específicas.
Quando chego à cozinha, vejo o Chiquinho com um pedaço com uns quatro centímetros de diâmetro dentro da boca. Aproximei-me dele para o afastar de tal iguaria, que lhe faria aumentar o açúcar no sangue.
Ao tentar fazê-lo, o meu gato meigo e agradecido, capaz de defender o seu adorado humano dos mais terríveis inimigos, começa a rosnar-me, contrariado e com cara de segunda-feira de manhã. Ralhei ligeiramente com ele, rosnou-me outra vez.
Tirei-lhe aquele bocado enorme, ri-me para dentro e não lhe disse mais nada. A dieta do meu pretinho sensível e inteligente anda a causar-lhe aborrecimentos.
Está farto de ter sempre a mesma ração e o que deseja mais é atacar a dos outros. Esta semana, finalmente, mudei a marca da comida dele e comecei a misturar-lha com a antiga.
As coisas já estão a melhorar. Está a ficar mais fácil convencê-lo a alimentar-se convenientemente. A única coisa a fazer é vigiar rigorosamente os meus quatro pequenotes na hora das refeições.
O fruto proibido é o mais apetecido e a tigela da minha vizinha é sempre melhor que a minha.
Mas ainda restam outras tentações. Quando me dedico ao delicioso puré de feijão da minha mãe, com coentros e pão alentejano, o Chiquinho recorda sempre as suas origens do sul.
Fica sentado em cima da mesa, olhando fixamente para o prato e estendendo o pescocinho delicado em direcção a ele.
Sabe que não tem direito a nada, porque este é outro alimento que também só lhe faria mal. Mas nunca desiste e fica atento, à espera de um momento de distracção, de uma migalha que caia no sítio errado.
Acaba por contentar-se em inspirar avidamente o cheiro da bela gastronomia portuguesa, já que esse ninguém lhe pode tirar.