Não tem muito para relatar porque no dia-a-dia que vive dentro da instituição de saúde onde foi colocado as horas são quase sempre iguais. Conto-lhe do novo trabalho, o que lhe desperta a curiosidade.
Diz que não posso estar parado e tenho que antecipar o que pode acontecer a seguir. Daqui a algum tempo, a empresa pode concluir que já não precisa de tantos trabalhadores e é necessário ter um plano. Saber exactamente a quem me vou dirigir, o que vou propor e quais são as opções.
Há seis décadas, decidiu que ia entrar na indústria farmacêutica, porque as condições eram apelativas. Foi bater a muitas portas e numa delas foi recebido.
O gerente não tinha nada para lhe propor mas disse-lhe para voltar daí a 15 dias, e esse processo repetiu-se várias vezes no tempo. Marcava o dia na agenda, sem falhas, e ia sempre visitá-lo nessa data.
Depois de muita insistência, de fazer os testes e a formação, conseguiu finalmente o que queria. Ao princípio ganhava o ordenado mínimo, e anos depois recebia essa soma multiplicada pelos dedos de duas mãos. É por isso que diz que a arma mais poderosa é a persistência.
Agora vive nesta instituição contrariado, e enfrenta os problemas que todos nós encontraremos se chegarmos a ser octogenários. Não gosta de depender dos outros mas não tem opção.
Diz que já não o vão deixar sair daqui. Neste lugar terminará os seus dias. Apesar de não ser isso que queria, afirma que não se chateia.
Ainda que confinado a estas instalações, garante que consegue ser livre e feliz. Regressado aqui depois de ter voltado a viver na rua, já tem o caminho para a casa de banho quase decorado de novo apesar de não ver, e tenta por todos os meios percorrê-lo sozinho.
Diverte-se com os contratempos do quotidiano, como os pequenos ralhetes de um ou outro funcionário com medo que ele não consiga fazer tudo por si próprio.
Declara que está à espera da morte mas esta não o preocupa nem o assusta. É um homem que viu e viveu tudo, pelo mundo fora, da prosperidade à existência nas calçadas. Como poderia temer alguma coisa?