Ela sorriu para ele na noite

Ela sorriu para ele na noite. Ele ouviu o sotaque cantado e não pôde deixar de falar com ela.

Ela trabalhou num call-center mas agora não tem emprego. Os sacos de comida da instituição de solidariedade que ele representa têm-lhe dado um jeito que nem se calcula.

Ela tem um curso de Direito e vai fazer um mestrado, tem uma filha em São Paulo que também quer estudar, Medicina, e já viveu em Londres, para onde pensa voltar.

Londres é uma cidade para trabalhar e ganhar a vida. Acolhe aqueles que trabalham e se esforçam.

Os avós são portugueses e ela realizava estudos de opinião para a Pitagórica, mas depois veio a COVID.

Critica a governação portuguesa e diz que é uma tristeza e uma aflição ver que tantas lojas e estabelecimentos fecharam as portas.

Há esperança e brilho no olhar dela. Sorri para ele, agradece muito pela comida, a oferta simbólica que é possível dar.

Guarda um segundo saco de alimentos para a amiga, que vem a pé, tem dificuldades em andar e nunca mais chega, embora os voluntários esperem e esperem.

Ele está de máscara, ela não. Agradece muito, faz aqueles gestos de inspiração oriental que as pessoas agora trocam, na falta de apertos de mão, abraços e afins.

Sorri para ele. Os olhos brilham. Ela vai-se embora. Mas fica o brilho do olhar.

Oito anos de amor sem limites

Sei sempre quando o meu tigrinho Jeremias está a comer.

É quando a “Gatinhaa!!” acorda, abre muito os olhos cintilantes que lhe iluminam o pêlo cor de azeviche e vai disparada para a cozinha, não para abordar o seu prato mas para atacar o do companheiro mais velho.

Quando me sento no sofá para ver um filme, a minha pantera negra move-se automaticamente. Vem amassar-me a barriga e, depois, ficar sobre as minhas pernas. Até eu me levantar.

Vou deitar-me e é igual. Massaja-me e fica, a noite toda, encostada e enrolada junto aos meus pés.

A Amélinha, seu nome oficial, tem muitas manias perigosas.

Uma das piores é a dos fios.

Andou a roer a extensão do rádio durante algum tempo…

Um dia ouvi uma barulheira terrível na sala. Fui ver e percebi tudo.

Apanhou um pequenino choque, sem consequências, tirando um susto de morte. A veterinária viu-a a seguir e estava tudo bem, embora ainda estivesse em pânico.

Aqui por casa não pode haver à vista fios, plásticos, metais, comprimidos e quaisquer objectos interessantes para esta bolinha de pêlo.

A minha bebé anda sempre metida nestas confusões.

É uma gata de vigilância permanente.

É também, com o seu ronronante Mestre Jeremias, o anjo que me acompanha, me ilumina, me ama, me mima e me acarinha todos os dias, todas as noites, todas as horas, desde há oito anos.

“Gatinhaa!!”, a minha existência faz sentido graças a ti.

Parabéns, fofinha.