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A próxima história

No caso de ainda estar vivo, o escritor estaria a desenhar algum cenário fantasioso, realista, excitante e surpreendente acerca de qualquer coisa que tivesse a ver com o mais íntimo da natureza humana: Teríamos um novo livro de Saramago.

Que teria, ao mesmo tempo, a ver com a forma como estamos organizados socialmente e economicamente.

Como pessoa, o Nobel teve defensores e inimigos.

Politicamente, era um admirador do comunismo.

O autor foi uma das muitas embirrações vascais de juventude.

Também o foram os musicais em cinema ou teatro, e da mesma maneira as películas de Woody Allen.

Todas essas manias, fruto da ignorância, desapareceram com o tempo.

Também foi assim em relação a ele.

Uma interpretação que ouvi para a forma como escrevia é a de que, em vez da pontuação e ritmo tradicionais, impostos por qualquer escritor normal, o inventor do Memorial do Convento deixa a divisão das ideias e o encadeamento das partes das frases ao próprio leitor.

Visão interessante, diferente da minha.

Acredito que aquelas frases onde escasseiam os pontos finais têm uma organização própria.

Quando entramos nesse esquema e na cabeça do escritor, aceitamos e percebemos aquele sistema de organização em que as ideias estão divididas de uma forma diferente, e as vírgulas e as maiúsculas são importantes. Passamos por cima desse obstáculo e entregamo-nos às irresistíveis personagens e às histórias inquietantes.

Ensaio sobre a Cegueira, Evangelho segundo Jesus Cristo, O Homem duplicado, As Pequenas memórias, O Ano da morte de Ricardo Reis. Os meus olhos e a minha cabeça ainda só vão no início da sua bibliografia, mas ainda tenho por aí mais um ou outro volume, e vou continuar.

É curioso. Adoro a imaginação de Saramago, as coisas que ele nos diz sobre o Homem e o Mundo nas suas obras. Adoro lê-lo.

Os seus livros são intensos, profundos, de enorme densidade. Tem que se estar disposto a desfrutar deles.

Nos últimos anos perdi ainda mais um preconceito. Releio alguns volumes dos autores preferidos, antes de os oferecer a Pessoas Sem Abrigo.

Os de José, não volto a lê-los, por serem uma massa literária tão sólida e consistente. Como uma feijoada deliciosa e cheia de leguminosas extremamente proteicas. Ou uma mousse de chocolate preto, extremamente espessa e doce. O estômago, ou o cérebro, só conseguem absorver uma vez.

Assim, passo logo para a história seguinte dele, sem repetições.

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