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A pele em que eles vivem

Salta para cima das minhas costas e exige obsessivamente que a deixe consumir a saqueta prateada, barulhenta e quase luminosa daquela marca vegan de bolachas de chocolate.

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Sentado a trabalhar, digo à minha bonequinha cor de azeviche que mie à vontade mas não engula o plástico nem os biscoitos negros, ambos lhe dariam cabo do estômago.

Abro e estico os braços para lhe furtar as delícias que me quer subtrair.

“Gatinhaa!!”, a minha mini-felina, caminha ao longo dos meus braços como se fossem uma estrada.

Prosseguimos nestes intensos esforços diplomáticos por alguns minutos.

Acalma-se e desce para o meu colo.

Ali fica a ronronar horas, e eu atendo as chamadas dos viajantes e seus receptores, enquanto flutuo no céu.

À noite, depois de ela comer finalmente a quantidade necessária para manter o seu escasso peso de 2 950 gramas e vermos juntos todos os programas da RTP Memória, é hora de dormir.

Jeremias, o tigre que mia e solicita festinhas com o pé descalço sobre o venerado tapete da casa de banho, passa pela cozinha para deixar profundamente limpos e desinfectados os pratos da ração.

Vem para a cama fazer-me companhia.

“Gatinha!!”, adormecida pelo serão televisivo de outras eras, já só faz “rrrrrrr” sobre as mantinhas, por cima da mesa da sala.

Vou buscá-la.

Coloco-a sobre a minha muito confortável barriga desnuda.

Ali fica.

Dorme. Ronrona. Mostra que se sente segura, tranquila e confiante.

Se muda de lugar e deixa vago o ventre proeminente do humano, é de imediato substituída.

A pele vascal é de pronto ocupada pelo lince Jeremias, que, se há alguma coisa com que delira, é estar deitado sobre a derme do seu tutor, e aí descansar até que venha despertar-nos o brilho da aurora.

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