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Uma existência à qual não sei bem se podia chamar-se Vida

Não passam o tempo todo a ligar-me, quando o fazem para os vários números ao mesmo tempo nunca são boas notícias, e aí vem mais uma. Dizem que já foram para baixo, percorreram aqueles 200 quilómetros para mais uma ocasião difícil. Foram duas, intervaladas por menos de 15 dias.

Mais alguém que compunha as minhas memórias de infância. Aquele bigode preto, aquele sorriso malandro, aquele rosto aciganado e escuro que lhe dava mais charme.

Homem de labuta e dureza, a vida toda. Criou as duas filhas, educou-as, deu-lhes o que ele pôde e o que elas quiseram.

Ao almoço, o meu pai costuma contar histórias dele. Envolvendo espingardas vendidas à socapa, galos mortos e cozinhados de forma mais ou menos clandestina e outras tantas traquinices.

Foi mais um que não teve facilidades nenhumas nos seus últimos anos, bem pelo contrário. A doença tirou-lhe tudo. As capacidades, o prazer, a mobilidade, a consciência.

Durante muito tempo, as máquinas faziam tudo por ele. Uma existência à qual não sei bem se podia chamar-se Vida.

Para mim fica o sorriso, o sotaque de homem cheio (mas elegante) e vivido, os olhos matreiros e a cara divertida. Um ser personificando a essência do meu Alentejo. Adeus, tio.

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