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“Epá, tu consegues fazer uma maratona!” Hã?!

Passeávamos pelas dunas, mas não era bem passear, porque, ao fim de três metros a subir, já arfava e rastejava. Fisionomicamente era idêntico ao bonequinho da Michelin, e tive muita pena do pobre camelo que me carregou até à civilização. Até dizia que nunca mais voltava a ver a aparentemente linda e maravilhosa auto-estrada do sul…

 

No meio de tudo isto, os meus dois amigos insistiam comigo. Que estava gordo e disforme, que tinha que começar a mexer-me, a fazer algum desporto. Um deles dava-me o exemplo do cunhado, a quem o médico dissera, dramaticamente: “Quer ter um AVC? Ai não? Mude de vida”.

 

Aquela conversa irritava-me solenemente, porque era a mais básica das verdades. E ficou a retinir cá dentro da cabeça, como uma bomba-relógio. Até ao fim do ano.

 

Quatro ou cinco meses depois, andava eu a percorrer uma capital, visitando os museus, as casas históricas, as exposições… E andando, metade do tempo, a pé. Com a frase “tens que te mexer” gravada no cérebro.

 

Inicia-se o novo ano e começo a correr. Depois da primeira corrida, no dia seguinte, era-me totalmente impossível descer escadas. Continuei em frente. Cinco quilómetros aqui, dez ali, uma mini-maratona de vez em quando. E, passados uns quantos meses, a primeira meia-maratona: 21 quilómetros. Doeu, custou, mas fizeram-se.

 

O calendário foi virando as páginas. Um mês, sete, doze. Um belo dia, um dos tais amigos vira-se para mim: “Bora fazer uma maratona”? “Estás maluquinho!”, penso eu. Mas os dois companheiros desportivos – o amigo e o tal cunhado, que, entretanto, já mudara de vida – tinham uma motivação sem limites e sem possibilidades de esgotamento.

 

Fomos treinando, durante menos de meio ano. Vinte quilómetros, trinta, trinta e picos. Chega enfim o grande dia. Eu mantenho o mesmo pensamento das primeiras horas. “Isto é uma aventura, estes tipos são doidos, mas têm ideias loucamente divertidas e eu vou até onde conseguir”.

 

Começamos a prova, e os primeiros dez, quinze grupinhos de mil metros são canja, algo que já nos habituáramos a fazer quase todos os dias, bem cedo, de madrugada, antes de ir trabalhar. O tal amigo do AVC já se livrara completamente desse risco (pelo menos, no que toca ao estilo de vida), há muito tempo. É sempre ele o que tem mais pica, é ele que vem conversando, mantendo a boa onda e a disposição alegre e tranquila. Até aos trinta quilómetros, a célebre e mítica barreira dos maratonistas.

 

É na tal fronteira que abrando um pouco. O meu companheiro mantém exactamente o mesmo ritmo até ao fim. Mas já fizera o que tinha a fazer por mim. Companhia, animação, tranquilidade, até vararmos o muro mental dos trinta. É no final da terceira dezena de quilómetros que se dá o combate decisivo. Ou ficamos, ou continuamos. Até ao fim.

 

Prossegui. 30, 31, 34, 35. A dada altura torna-se claro e óbvio que chegarei ao final. Mais depressa, mais devagar, mais rastejante, mais eufórico, mas é nítido e indubitável que estarei lá. Nos últimos quatro ou cinco, digamos que se vai “de boleia”, como numa descida, com todos os santos a ajudar, e quase como se já víssemos a meta. No último, sentimo-nos carregados em ombros, coroados de glória, protegidos pelo Olimpo, por termos vencido esta batalha connosco mesmos. A minha primeira maratona. A primeira de quatro.

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  1. Meu grande Amigo, estas aventuras não se conseguem fazer sozinhos. ou melhor, é bem mais fácil com companhia. A certeza que os meus companheiros iriam estar às 7h00 da manhã a um domingo à minha espera para correr 30km, deu-me a força para esta aventura.
    Tenho um orgulho enorme na nossa epopeia e ainda mais por teres continuado neste caminho.
    Espero conseguir voltar a acompanhar-te em breve numa destas aventuras!
    Um abraço,
    J