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A gata que escolheu o seu próprio nome

Entrei no hospital e parei logo à entrada. Deparei-me com uma espécie de “jaula” cheia de bebés pretos, encavalitados uns por cima dos outros, ou nos ramos em miniatura, aos pulos e aos miados, como se fossem macaquinhos negros na selva. Eu já não saía dali, levava aqueles bonequinhos vivos para casa e acabava-se a conversa.

 

Houve uma pequenota que veio logo meter-se comigo, a fazer conversa e a pedir brincadeira. Era aquela… Tinha dois meses. Nos minutos seguintes, enquanto se procedia às mais que escassas burocracias exigidas para adoptar uma gata de dois meses, ela andou a correr e a saltar, ou melhor, a voar, de uma ponta à outra do hospital. Era mínima, mais ou menos do tamanho de uma mão humana.

 

Para casa, fui a conversar com a bebé, a explicar-lhe como ia ter uma vida feliz, sossegada, tranquila, cheia de amor e aventuras deliciosas… Quando chegou, saiu de dentro da transportadora, viu os gatos “gigantes” (adultos) lá de casa e bufou-lhes, para os meter no lugar.

 

Era tão rápida e imprevisível que esteve para se chamar Flecha. Acabou por ser Amélia, em homenagem a um outro bichinho, que existiu no passado e percorreu uma existência igualmente feliz, agitada e animada. O problema é que a Amélia não se chama Amélia. Nunca considerou que fosse esse o seu nome. E, à força de tantas vezes ouvir “Gata!!” dirigido a ela, em tom zangado ou carinhoso, consoante as tropelias ou as atitudes ternas e doces que estivesse a protagonizar, decidiu que se chama Gata.

 

Desde os primeiros dias em casa, habituou-se a olhar para mim, a piscar os dois olhos ao mesmo tempo e a ronronar. Tornou-se normal que eu lhe pegue ao colo e que ela fique a fazer “rrrrrrrrrrrrrrr”, carinhosamente, durante o tempo que nos apetecer. Quando vê que estou mais tempo em casa, mia e mia para mim, a dizer: “Meu querido humano!! Estás aqui!! Oh! Que bom!!”.

 

Quando foi esterilizada, eu andava com uns problemas na vida… Levava-a, para a operação, para o pós-operatório, para os ajustes no tratamento, a mudança do penso, da camisola… Ia-lhe contando as chatices que enfrentava então, íamos conversando um com o outro. Ela: “miau, mnhau, mieeu”. Eu: “Olha, sabes, bebé, estou um pouco triste, passa-se isto e isto assim e assim”.

 

Houve um dia em que eu estava extremamente chateado (não acontece muitas vezes) com um amigo, que me tinha feito uma grande desfeita e que era visita habitual lá de casa, desde há muito tempo. Ela conhecia-o bem e gostava bastante dele, e ele dela. Naturalmente, essa zanga não tinha nada a ver com os membros de quatro patas da família, que não faziam ideia do que se passava. Mesmo assim, quando o meu amigo passou pela Amélia, ela estava em cima do armário da cozinha e fez uma coisa que nunca tinha feito em toda a vida. É inofensiva, nunca lança uma pata ou um dente a quem quer que seja, mas assanhou-se, irritada. A minha gata sentiu o que ia cá dentro e foi uma espécie de megafone da zanga que eu tentava controlar no momento.

 

Estou habituado a tê-la enrolada nos meus tornozelos, quando leio no sofá, ela a dormir, feliz, com os estremecimentos próprios dos sonhos. Abraçada a mim debaixo das mantas, no Inverno. A esfregar-se no chão para brincar comigo. A miar bem alto, de felicidade, pela minha presença.

 

Os meus gatos são a minha alma, o meu coração, o meu espírito e a minha carne. Esta “peste fofa”, como lhe chamo também, é qualquer coisa que não se consegue descrever. As palavras são simplesmente incapazes de dizer o que eu sinto por este pedaço felino de mim.

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