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Entrei com uma arma no aeroporto

Olhou para mim, cara ligeiramente empoeirada, desdentada, cabelos desgrenhados e linda. A miúda libanesa de seis ou sete anos fez-me perceber, por gestos e expressões infantis, que queria que eu lhe tirasse uma foto. Tirei, mas não ficou satisfeita. Os gestos carinhosos continuaram, eu a pensar que ela achava que a máquina era digital e queria ver a imagem. Não, ela desejava, também, tirar-me uma foto a mim. E fez, numa pespectiva invulgar, do alto dos seus poucos centímetros, o retrato da minha cara. A simpatia e meiguice da menina comoveram-me.

 

Estava em Trípoli (cidade libanesa com o mesmo nome da Trípoli líbia), não muito longe de Beirute, e passeava pelos soukhs, uma mistura labiríntica e encantatória de mercado e bairro habitacional. Perdia-me por ali, maravilhado com tudo o que via, ouvia, sentia.

 

O país já tinha vivido longas e intensas guerras, mas na altura passava por um período menos agitado. Embora existissem alguns conflitos políticos e religiosos latentes, um ou outro atentado de vez em quando, podia considerar-se um país pacífico.

 

Toda a gente dizia que era um disparate ir passar duas semanas de férias no Líbano. O que é facto é que saía todas as manhãs, às cinco, seis horas, de Beirute, apanhava um táxi por 50 cêntimos, guia da Lonely Planet debaixo do braço… A seguir, metia-me numa carrinha, ou autocarro, ou algo intermédio, alguns deles já com uma quantas décadas de serviço em cima. Entrava nestes veículos, música árabe de volume no máximo, ninguém com aspecto meramente ocidental a bordo, e lá ia. Partindo do princípio que o referido transporte ia para algum sítio que eu tinha visto horas antes no guia, que o taxista indicara como sendo o destino do “autocarro” e que me interessava conhecer. Nunca correu mal.

 

No Líbano, conheci o prestável cônsul português, e – foi isso que fez toda a diferença – a minha amiga Mia. A amável, gentil, tolerante e compreensiva senhora, luso-franco-libanesa, introduziu-me, na altura, ao mundo dos guias da Lonely Planet, a bíblia do viajante. Em algumas horas, ensinou-me a conhecer o país, a marcar excursões, a apanhar um táxi, a atravessar a rua. Passado esse tempo, deixou-me livre para desfrutar deste país magnífico e surpreendente, que já foi considerado a Suíça do Médio Oriente.

 

Quando vamos a passear, sozinhos, pelas ruas libanesas, as pessoas vêm ter connosco. Oferecem-nos pão, cigarros, cervejas. Querem que lhes tiremos fotografias. Encontramos pessoas que falam inglês, francês, até alemão… Nesta época (2005), apesar de todos os conflitos que o país tinha vivido, e de alguns deles se manterem em estado latente, um viajante de visita não sentia qualquer sensação de insegurança. Passeava-se por todo o país a qualquer hora sem problema algum, e todas as pequenas aventuras do dia-a-dia começavam e acabavam bem.

 

Tudo tão calmo e tranquilo que até entrei no aeroporto com uma “arma” – uma Beretta de 9 milímetros, que embora fosse um isqueiro, estava tão bem feita que dava para assaltar um banco sem quaisquer dificuldades. Fui com ela dentro da mochila, passou nos detectores e foi encontrada, mas o máximo que mereceu foram algumas perguntas dos militares que faziam o controlo de bagagem, várias risadas da sua parte e a tentativa infrutífera de lhe gastarem o gás, acendendo cigarros uns aos outros, antes de me mandarem embora com ela, outra vez, dentro da bagagem.

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