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O felino que queria emigrar

Saltou para o meu colo e disse-me que queria carinho. Ficou nas minhas pernas e amassou-me o estômago, olhou para mim e pediu-me amor. Eu estava rodeado de duas pessoas que amavam gatos, respiravam apreciação felina por todos os poros, tinham, cada, duas mascotes ronronantes sob a sua protecção. Eu era o eremita urbano, aquele que gostava muito dos bichos dos outros, mostrava-lhes compreensão e consideração, e, depois, ia cada um à sua vida.

 

Rejeitava terminantemente ser responsável por algo ou alguém que não eu mesmo. Mesmo assim, aquele animalzinho preto, jovem, pequeno, magro, não saía da minha beira, e eu, naturalmente, aceitava a meiguice e a doçura dele, e retribuía.

 

No encerramento do fim-de-semana de praia, as duas pessoas amáveis e sensíveis que estavam comigo nesses dias explicaram-me, ao longo de uma noite regada com algumas cervejas e temperada com vários cigarros pensativos. Aquele gato preto lindo e meigo e eu tínhamos criado uma relação. Eu não podia deixá-lo para trás, não era esse o Destino.

 

Restava descobrir quem é que, ali no campo, tinha alguma relação com este menino, e se era preciso pedir autorização para ficar com ele. Rapidamente apurámos que o suposto dono era um vizinho, alguém que tinha animais e crianças, e desprezava tanto uns como outros: “Podem levar o gato, podem!”.

 

Na última manhã, deslocava-me eu de casa para o quiosque, de carro, para ir comprar o Público, mas não conseguia. O Chiquinho enfiara-se-me no carro e não me deixava ir embora. Tive que acalmá-lo e deixá-lo bem tranquilo e acompanhado, antes de poder ir em busca das notícias da manhã.

 

O Chiquinho veio comigo e tornou-se o meu gato, o meu amigo, o meu companheiro, o meu psicólogo, o meu ouvinte, o meu analista, o meu filósofo, o amor da minha vida. Se alguém cá em casa estiver triste, em baixo, deprimido, preocupado, angustiado, em desespero, o meu pequenino (já lá vão seis anos) sabe. Se os meus amigos estiverem stressados, ansiosos, perdidos na vida e no Mundo, o meu menino apercebe-se de imediato. E em todos esses casos, ele vai fazer o seu trabalho: Vem para o nosso colo, conversa connosco, mima-nos, acompanha-nos, acarinha-nos. Cura-nos.

 

O Chiquinho às vezes mostra-me que percebe em que, ou em quem, estou eu a pensar, mesmo que eu não lho demonstre de forma absolutamente nenhuma. Sente o que eu sinto. O meu gato fala comigo todos os dias. Pede-me atenção, carinho, festinhas, repreende-me se estou muito tempo (dois minutos) sem lhe dar atenção. Os meus amigos ficam espantados a olhar para ele, quando percebem que os miados dele não são miados. São palavras e frases que ele me dirige e troca comigo, na língua dele, que eu fui aprendendo ao longo de meia dúzia de anos. O meu Chiquinho, se estiver na outra ponta da casa e sentir que eu estou a achar-me meio abandonado porque ele não aparece junto de mim há um bocado, desperta de repente e vem, a correr, a miar, a pedir-me desculpa e a oferecer-me a sua companhia.

 

O meu tio Chico diz que o Chiquinho quis “emigrar” do campo para a cidade, assim o fez e deu-se muito bem, mudou de vida e ficou melhor, teve sorte. Pois eu não concordo nada com isso. É que quem teve toda a sorte no meio desta história fui eu.

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  1. Lindíssima esta história. Encontro-me imenso nela; com os 8 gatos, com as 8 características diferentes deles. Encontro-me na tua, na dele, na nossa história felina de todos os dias.