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A mulher que dava conselhos sobre fruta

Pontos vermelhos na cara, caracóis grisalhos, pullover vermelho e camisa clara, ar adoentado e meio distraído, o sr. Martins, nos seus 70 e muitos anos, vai ouvindo com atenção intermitente a sua amiga, sentada ao seu lado, numa mesa do Mac Donald’s da Avenida de Roma, às onze e meia da noite.

 

Lenço lilás sobre a cabeça, ar jovial e extremamente desperto, esta mulher de meia idade não pode deixar de causar curiosidade. Fala alto e depressa, parece pessoa com alguma distinção e educação e torna-se impossível não a escutar.

 

O sr. Martins tem uma atitude calma e passiva, e não consegue ouvir muito bem tudo o que ela diz, da mesma maneira que ela também não o escuta por inteiro, nem o deixa falar.

 

Seja lá como for, a senhora do lenço e o sr. Martins são amigos, ou conhecidos, e ela está preocupada com a saúde e as finanças dele. Farta-se de lhe dizer que não pode comer fruta muito madura, não pode. A fruta verde é mais leve e saudável, a madura fermenta e tem muito metanol (álcool), o que lhe faz mal. O dinheiro que ele gastou num menu do Mac Donald’s, insiste ela, chega-lhe para comprar várias peças de fruta saudável…

 

Mas a senhora do lenço também gosta de falar, em geral, e de dizer coisas sobre si própria e a sua vida. De maneira que acaba por envolver uma terceira mulher, afável, gentil e curiosa, na conversa. E vai daí, fala-lhe do avô. O antepassado armazenava moedas de prata, valiosas e grossas, numa caixa de ferro pesada e forte (“não ia guardar notas, para os ratos as comerem!”), e enterrava-a na adega de terra batida, em lugares recônditos e ocultos.

 

O sr. Martins já está quase fora da conversa, que nem consegue ouvir. A senhora do lenço está a vestir-se e a preparar-se para se ir embora há uns dez minutos. Mas entretanto vai falando com toda a gente, ou para toda a gente.

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