Chegara a Luxor havia poucas horas. Era quase a primeira vez que saía da Europa, e, para satisfazer o comodismo e a segurança, optara pelas populares viagens de pacote, com uma porção de gente que não conhecia e um simpático e eficiente guia profissional egípcio. Até estava a ser bastante divertido: o grupo era amável e cómico, o país fascinante e tudo enriquecedor.
Mas o espírito do viajante despontava, muito devagarinho, debaixo da capa do turista ávido e ignorante… Uma semana dentro de um barco com as mesmas pessoas, apesar das paragens em que observava a História ao vivo, fazia-me querer mais qualquer coisa.
Claro que a oportunidade (um pouco forçada) havia de surgir. E foi mesmo em Luxor que “fugi” do barco que percorria o Nilo e nos mostrava o que havia à sua volta. Escapei-me por uma hora e picos, à tarde, sem pensar no que fazia. Queria fazer a minha pequena “viagem” dentro da experiência turística que vivia. Num país onde tudo é uma negociação – não só o preço do táxi mas também o câmbio da moeda, se pagarmos em euros – tudo podia acontecer.
Com essa esperança, pus-me a caminhar. Rapidamente surge um jovem egípcio, prestável e gentil, e com um nível de inglês impecável. O rapaz começa a meter-se comigo, insistentemente, e acabo a conversar com ele. As frases dele começam invariavelmente por “if you want” o que quer que fosse, que ele arranjava.
Durante uma hora de passeio pela cidade, foi-me mostrando pontos turísticos – embora alguns já estivessem a fechar àquela hora – e conversando comigo. Ao eterno início de frase, “If you want”, seguia-se a oferta do que eu quisesse. Tabaco, álcool, drogas, raparigas, rapazes, uma visita a casa dele. Declinei todas as ofertas.
O rapaz, ao longo do caminho, ia dissuadindo as pessoas que vinham pedir-me dinheiro, ou tentar vender-me alguma coisa. Pelo que dizia, o seu interesse na minha companhia era a oportunidade para treinar o inglês.
A hora foi passando. O meu amigo, guia e protector temporário deixou-me exactamente no mesmo ponto onde me tinha encontrado, perto do barco, num sítio onde até eu conseguiria encontrar facilmente o caminho de volta. Pela companhia, pela conversa, pelos serviços informais de guia, não pediu absolutamente nada. Nem uma moeda. Só queria conversar e treinar os dotes linguísticos. Claro que, muito tempo depois, os meus amigos ainda me perguntam se tenho os dois rins, os dois pulmões, etc… Mas ainda tenho os dois rins.