by

Ajudei um terrorista

Tinha sido avisado por toda a gente para evitar andar a passear pelas ruas de Nairobi, considerada uma cidade destacada no ranking das menos seguras do Mundo. Mesmo assim, vesti as roupas mais simples e ordinárias, tirei quase todos os valores dos bolsos, menos o cartão multibanco, e fui dar uma volta, ao início da tarde.

 

Naquela zona não havia nada de extraordinário para ver, sem contar com algumas manifestações públicas de fé religiosa (neste caso cristã), algo a que os quenianos são muito dados. E lá ia eu, a tentar fazer um ar “normal”, como se isso fosse possível para um ocidental de pele clarinha numa capital africana. Tudo ia bem…

 

Às tantas aparece um homem, de ar aflito e preocupado, e pede para falar comigo. Começamos a conversar. Conta-me que é um refugiado sudanês, em trânsito entre países, com o objectivo de chegar à Europa, para fugir aos problemas políticos do seu país e sobreviver.

 

A história que vai desenrolando não parece descabida, para alguém que gosta de ler sobre política internacional e vai acompanhando esse tema. E o diálogo acaba por ir parar a um pedido. Precisa de ajuda, para ele e alguns amigos conseguirem sair do Quénia e continuarem o seu caminho rumo à segurança da Europa. Ajuda em dinheiro.

 

Continuava a fazer sentido. No entanto, na altura de levantar dinheiro para (os) ajudar, já tudo cheirava um pouco a esturro. Mesmo assim, a parte irracional do cérebro e a vontade de fazer qualquer coisa por alguém ainda estavam a comandar o lado mais sensato e cauteloso do pensamento. Acabei por lhe dar esse donativo, não me lembro quanto, mas sei que não foram apenas 20 ou 40 euros.

 

O pior foi o segundo capítulo. Mal o refugiado desaparece, numa fracção de segundo, vejo-me rodeado de supostos agentes policiais (não muito convincentes mas razoavelmente encorpados e em clara superioridade numérica). Percebi, depois, que era tudo um esquema, e esta era a segunda parte da tramóia. Os alegados polícias queriam dinheiro para não me levarem para a esquadra de Nairobi (!) e me obrigar a passar algum tempo por lá. Porque, segundo eles, tinha ajudado um terrorista. Curiosamente, fiz frente (verbalmente) a estes quatro homens desconhecidos, isolado num país estranho e inseguro. Que era um cidadão europeu, que tinha direitos, e mais uns quantos argumentos do género.

 

Intimidação do lado deles, conversa fiada do meu lado, acabaram por me deixar ir embora. “Vá para o hotel, não olhe para os lados, não fale com ninguém, não volte a sair sozinho à rua”. Assim fiz. Mais tarde apercebi-me que, até no hotel (com bom aspecto e qualidade), se recusavam a acompanhar os clientes onde quer que fosse a partir do meio da tarde…

Write a Comment

Comment