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Tolstoi e os turistas

Lia as páginas de “Ressureição”, de Tolstoi, o que, por si só, dava algum trabalho, porque antes era preciso cortá-las e despegá-las, com a tampa da caneta, tal era a antiguidade da edição. Achava que tinha encontrado o local perfeito para fazê-lo – às nove da manhã, no Parque das Nações, a cinco metros do rio. Só se ouviam os cantos estridentes dos pássaros.

 

Mergulhava na vida da Maslowa, de Nekhludov, nas injustiças que marcavam a existência da jovem que fora quase aristocrata, depois criada, prostituta, presidiária… Paz completa.

 

Às tantas começo a ouvir ruído de passos e vozes a tagarelar, em crescendo. Olhando para trás, dou de caras com a realidade. Um grupo de umas quantas dezenas de turistas, que, àquela hora da manhã, faziam, naturalmente, turismo.

 

Quase todos acima dos 30 ou 40 anos, deslocavam-se em pequena multidão, subdividida em grupos menores ou casais. Uns gordos e extremamente visíveis, outros mais elegantes e discretos. Pela língua e forma de falar, talvez fossem israelitas. Ou gregos? Não conseguia perceber.

 

Lá foram, calma e vagarosamente, ao longo de umas quantas centenas de metros, para observar turisticamente alguma coisa, não sei o quê. Bom, até não foram assim tão lentos, mas, para quem desejava sossego, podiam certamente ser mais rápidos.

 

Sentado, ainda acreditava que conseguiria ler mais algumas páginas entre a passagem de um casal e outro. E ia insistindo. A dada altura tornou-se mais difícil. Uma das senhoras mais idosas estava especialmente determinada a tirar uma selfie com o maravilhoso rio como pano de fundo, e eu estava no caminho (sentado num banco de pedra, impassível, metido comigo próprio). O resultado foi que acabei com a tal senhora de idade mais ou menos ao meu colo, até que ela percebesse que atrás dela estava uma pessoa sentada num banco.

 

Suspirei profundamente, ignorei a ligeira irritação, pensei… Bom, muito provavelmente, nós, quando vamos, também, fazer turismo para o país destas pessoas, devemos fazer mais ou menos o mesmo, ou pior.

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