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A rapariga que vivia do ar

Fica muitos anos sem ser vista, e quando aparece, a Manela está sempre radicalmente diferente. Não tem multibanco, smartphone, televisão, Internet, Facebook e nunca anda com o cartão do cidadão.

 

Desta vez foi no centro da cidade, numa mesa de café, que me descobriu por acidente. Ficou a olhar para mim, sorridente e divertida como sempre, e eu a gesticular para ela baixar os óculos escuros, para que tivesse hipóteses de perceber quem ela era. Quando a reconheci, lá ficámos uns momentos abraçados, após mais um longo interregno sem nos encontrarmos, até porque nunca nos lembramos de trocar contactos.

 

Encontrámo-nos à hora do lanche, a conversa deu para bem depois das dez da noite. A Manela mantém-se a par do que acontece, mas diz que o jornalismo, a política, a economia, são tudo tretas. Dedicou-se à Filosofia. Passa a vida na faculdade, e os dias inteiros a debater e a pensar, como fazem os filósofos.

 

Chegou a algumas conclusões. Consegue viver com muitíssimo pouco e quase não tem despesas, sem que se perceba como faz. E há coisas que lhe metem confusão. Não percebe, por exemplo, porque é que os animais de estimação (como os dois que habitam com ela) vivem tão pouco tempo, e os humanos andam por cá décadas e mais décadas. Não entende. Para ela, faria muito mais sentido que os humanos e os seus companheiros patudos tivessem uma esperança de vida aproximada: é que seria melhor para ambos, segundo considera…

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