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“Tudo bem?”

Chegaram junto do homem e quiseram oferecer-lhe uma sandes ou um bolo para lhe acalmar a fome e servir de pretexto de conversa. Alguém soltou a habitual saudação inocente e bem intencionada… “Tudo bem?”. O homem respondeu, pronta e imediatamente. “Não, não está tudo bem. Se metade do mundo está em guerra, se milhões de pessoas vivem na pobreza, se o sistema político e social esmaga a prosperidade e a liberdade de tanta gente, acha que pode estar tudo bem? Não, não pode estar tudo bem”.

 

O homem, sem família nem ninguém no mundo, teria idade para estar acolhido e protegido há várias décadas, mas vive na rua. Já não vê, mas mantém um aspecto digno e apresentável, consegue vestir-se e tratar de si próprio sozinho.

 

Quando, durante uma das suas reflexões políticas, filosóficas e históricas de revolta contra a Humanidade, alguém lhe pergunta “olhe, o senhor não está chateado comigo, pois não?”, ele responde, docemente: “não, filha, eu não estou chateado com ninguém, porque eu sou feliz!”. Este homem não tem nada, e quase nada aceita da sociedade, além de uma ocasional sandes, um cigarro e dois dedos de conversa. No entanto, a sua grande preocupação não é consigo próprio, e sim com os maus caminhos que, aos olhos dele, rodeiam a Humanidade, a política, a economia e a religião. E não é por não ter nada que ele nos diz que “não pode estar tudo bem”. É porque o mundo não está bem.

 

E assim ficamos, daqui para a frente, a pensar duas, três ou quatro vezes, antes de perguntarmos, quando nos cruzamos com alguém, se “está tudo bem”.

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