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Nas dunas, com o Universo por companheiro

Com um gesto largo, Ali abrangeu o deserto e as estrelas quando os impreparados turistas lhe perguntaram se havia “casa-de-banho” (!) na sua aldeia berbere, um aglomerado de três casas perdido no meio das areias de Merzouga. Os ocidentais desprevenidos tinham atravessado Marrocos em cinco dias (“muito terreno para cobrir numa semana”, comentaria um divertido companheiro australiano) mas ainda estavam a aprender.

 

O pais árabe, amigo da Europa e da América, bastante empenhado nos seus preceitos islâmicos, nada tem a ver com aquele lugar estranho retratado no filme “Babel”. Pelo contrário. Quem o visita, diferentemente do realizador da película, percebe meia dúzia de verdades. Que ali, apenas a uma hora de Espanha, se entra num planeta diferente. Mas que esse mundo pouco ou nada tem de perigoso ou ameaçador, mesmo para os visitantes mais inexperientes. À excepção de alguma da comida e dos serviços de saúde, de cuja existência quase se duvida.

 

A verdade é que, no meio das dunas e tendo por único companheiro o universo, nas montanhas cujos habitantes nos lembram os afegãos das fotos das revistas de grande reportagem ou na confusão insuportável e irresistível da Medina de Marraquexe, sentimo-nos vivos.

 

Concluímos que a humanidade, sendo só uma, se divide em milhares de cambiantes, de pensares, de aparências, de formas de existir. E torna-se claro que são poucas as diferenças que nos separam dos marroquinos. Somos bastante mais prósperos, possuidores de um ligeiro verniz de instrução, menos alegres e comunicativos. De resto, até somos parecidos.

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  1. Um lago no meio de um deserto repleto do tempo que aqui não temos, um táxi para sete passageiros mas com espaço para infinitos regateios, um garçon que momentaneamente se ausenta do serviço para um rápido corte, ali ao lado, no barbeiro, um chá verde com menta açucarada que torna vã a alcoólica gargalhada ou os cigarros vendidos a vulso para partilhar com amigos aos 45 graus à sombra, quase nada contam sobre uma duna carregando às costas os desalentos de um mundo inteiro – valha-nos o tal universo por companheiro. Obrigado, Vasco.