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A Lassie não se foi embora

Tinha a mania que era gato. A  Lassie adorava andar a caçar os ratos na garagem-oficina do pai do Pedro, o que ele agradecia bastante. Mas quando tudo isso começou, o Pedro só queria era brincar e pouca consciência tinha de que aquele boneco animado estava ali para o proteger, para dar a vida por ele sem hesitar.

A vida avançou num instante, as tardes de futebolada e pedradas nos vidros da escola foram rapidamente substituídas pelas primeiras namoradas desengonçadas. A Lassie estava sempre lá, a olhar para nós com aquele ar cândido de quem se atiraria alegremente para debaixo de um autocarro pelo Pedro.

Quando o pai dele chegava da serralharia, levantava-se numa fracção de segundo e ia a correr ter com ele, ainda antes que entrasse no prédio. Quando o Pedro vinha das aulas saltava para cima  dele, alegre e preocupada. Queria saber se estava bem, se os professores não o tinham chateado, se os rufias do bairro vizinho lhe tinham feito alguma.

Quando eu conversava com o meu amigo Pedro na sala de estar, a ouvir aqueles discos esquisitos dos Xutos com o volume no máximo, ela não se afastava. Já me tinha adoptado. Se era amigo do Pedro só podia ser boa pessoa. Quando eu e ele discutíamos os nossos sonhos de juventude, ele armado em jurista e eu em correspondente de guerra, ela ouvia-nos com a paciência da idade que já ia adquirindo. Quando o Pedro foi, finalmente, para a faculdade, lá estava ela sempre ao fim do dia. Amiga, fiel, sem desejar o que quer que fosse em troca.

O tempo continuou, imparável. Ela é que já ia estando mais lenta, como os pais do meu amigo, cada um com a sua doençazita ou com os resmungos da meia idade. Ele lá conseguiu o que queria. Triunfou como homem das leis, com os seus escritórios e as suas filiais, com a sua mulher e com a Aninhas para lhes dar cabo do juízo. Eu tornei-me jornalista  e até já fui a Beirute, como sempre sonhara. Mas foi a Lassie a nossa amiga de todas as horas, a confidente, a conselheira muda e impassível. Foi ela que nos ensinou  a paciência, que acreditou no Pedro, que o aturou, que o apoiou em tudo. Sempre. Quem sabe? Talvez um dia o Pedro ainda volte a ter uma Lassie. Porque não? Era capaz de ser bom para a filhota dele.

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