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Uma manta frágil para nos proteger

“Eu não tenho direito a ter opinião. Não pago impostos, não vivo numa situação normal. Mas mesmo assim, a minha opinião é esta. Isto está tudo muito bonito, muito mais bonito. Mas não há mobilidade nenhuma.

As pessoas não conseguem estacionar, não conseguem circular de carro ou noutros transportes rodoviários. Há menos espaço para os carros, menos parques.

Todo este quarteirão aqui do Saldanha ficou com menos de metade dos lugares de estacionamento. E agora só há aqui uma faixa de rodagem em cada uma das laterais.

Imagine que uma ambulância tem que parar aqui junto do Galeto. Vai ficar nesta faixa de rodagem única. E impedir o trânsito de circular.

Está tudo muito mais bonito, mas há muito menos mobilidade. O que é que interessa que esteja bonito? Se o que querem é aumentar a mobilidade, não é assim que vão fazer isso”.

A opinião de L, que arruma carros junto ao Galeto, sobre as obras da Avenida da República, Avenida Fontes Pereira de Melo e Saldanha…

Se estas são as preocupações de L, que sorri, como a sua companheira, quando vê a equipa da Comunidade Vida e Paz chegar, outro homem, a algumas ruas de distância, tem diferentes aflições.

Diz que não tem roupa nenhuma e pede uma camisa, calças, cinto e sapatos. A equipa já gastou as peças que trazia e transmite a informação às dos dias seguintes.

20 Minutos depois, oferecem-se uma sandes, leite e dois bolos a um rapaz que lembra Bob Marley e vive no chão da avenida. Não aceita.

Tem problemas de estômago. Precisa de se alimentar de comida cozinhada, e bem aquecida. Caso contrário, o seu organismo corre o risco de receber macro-moléculas em vez de micro-moléculas, o que não pode acontecer.

Mostra-nos, até, uma espécie de fogão improvisado, que monta ali na calçada, onde aquece a refeição, sem que se perceba com que materiais.

H, lá do outro lado da Avenida, também não quer a comida que lhe propomos.

Alguém lhe atirou uma caixa de pastelaria com bolos no interior. Pede-nos um favor. Que levemos essa oferta que lhe fizeram e a entreguemos a outra pessoa, que “precise mais”. É tarde, está cansado, e, sobre o seu estado, diz, como habitualmente: “Estou vivo”.

Estamos todos vivos. Mas a maioria de nós não o faz num quadrado de calçada, com uma manta frágil para nos proteger da noite – Ou mesmo sem isso.

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