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Aquela senhora meiga do lenço preto

Aquela senhora meiga e doce de lenço preto na cabeça achava que eu e a minha irmã, gaiata linda e desembaraçada de olhos azuis, éramos muito mal tratados, só porque a minha mãe nem sempre nos deixava fazer o que queríamos.

Também se preocupava muito com o genro, o seu belo genro, uma jóia de moço, que ela adorava. Achava que o meu pai era vítima do feitio da minha mãe, apenas porque ela às vezes não lhe fazia as vontades. Em suma, a minha avó gostava de tal maneira da família, dos filhos, do genro, dos netos, que ficava doente se achava que algum dos nossos caprichos ainda estava por satisfazer.

Mas a verdade é que nós tínhamos uma vida imensamente feliz, graças aos nossos pais, que se esmifravam completamente ao longo do ano para que depois, no Verão, pudéssemos todos ter umas férias de sonho, na casa da avó.

Íamos para a praia e ficávamos lá até ao fim do final. Na altura, a Zambujeira tinha meia dúzia de casas a circundar o seu mítico muro, e o Malavado devia ser pouco mais, além da casa da minha avó e os pinheiros. Vínhamos da praia e tomávamos banho na rua, com a água do poço. Aquilo para mim e a minha irmã era uma maravilha do outro Mundo.

E quando chegavam os outros tios, imigrados, como os meus pais, na Alemanha e em França, a coisa ia até aos píncaros. Havia prendas, brinquedos, doces, gomas em forma de cãezinhos. Há 40 anos. Era mesmo espectacular.

Infelizmente para ela e para nós, a minha avó não foi daquelas que duraram até à idade quase adulta dos netos. Estava eu ainda bem longe dos meus 20, e fui passar uns dias lá abaixo. Adorava-a, e ela a mim. Embora não fosse muito velha, já estava bastante doente e muito acabadinha.

Mesmo naquele estado, e poucos dias antes de se retirar desta breve passagem, ainda teve forças para dar um enorme prazer ao nétinho querido. Foi fazer, sabe Deus como, as fatias de ovo (fatias douradas: pão frito envolvido em ovo e muito açúcar) que sempre fizeram saltar de felicidade os seus netos. Aquelas fatias de ovo foram uma das coisas mais deliciosas que comi em toda a minha vida. E nunca vou esquecê-las. Tenho saudades de ti, avózinha.

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