Do devaneio deriva a dor e decorre a felicidade com que se lida com a existência.
Há sete sultões míopes que se passeiam sobre o sal frente ao farol.
Ouve-se a resina a falar pela voz do vento que sopra sobre as canas do canavial. Os pinheiros abanam sob a brisa estival do fim da tarde.
A cem quilómetros há um barco a atracar cheio de seres humanos de pele crestada, que as pessoas de tez empalidecida não querem ver entrar nos seus portos.
Os que buscam desesperadamente abrigo, e os que o negam, são todos seres vivos que nascem, existem, comem, bebem, fodem, amam, odeiam e morrem.
Escuta-se o toque de finados do Ocidente. A fina capa da civilização escurece e dilui-se dando lugar ao medo, à ignorância e ao egoísmo.
Mergulhamos voluntária e cegamente na noite funda do racismo, da dominação, nos dias negros dos homens fortes e dos rebanhos ordeiros.
Esta lição, tínhamo-la aprendido há 70 anos, e há cem anos, e há duzentos anos.
Insistimos em não saber, não amar, não aceitar. Preferimos ignorar e odiar.
Pensava que já tinha ouvido de tudo, até àquele dia.
Um homem travesti, provavelmente alvo de preconceitos e agressões ao longo da vida, apoiando as políticas de Trump e de Salvini, considerando-as justas e adequadas.
Criticando o governo nacional por ir buscar refugiados a países de fora da Europa.
Conseguimos sempre ser surpreendidos.