Saudoso dum amor que partiu, o rapaz cruza as páginas do jornal, sentado na esplanada do café. Anota cuidadosamente qualquer coisa num pequeno caderno de bolso.
O dedo está ligeiramente azulado, após tanto tempo às voltas com a caneta. A cabeça está ainda virada para o monte Ararat, a montanha mais alta da Turquia.
Deixou a sua terra natal porque a vida era muito difícil. O destino levou-o a um kebab turco, a alguns metros de um mercado chique e a cinco minutos da zona nocturna mais animada da cidade.
Quando uma rapariga bonita entra no estabelecimento, ele e os colegas da mesma nacionalidade riem-se muito e metem conversa, uma palavra no seu português ainda por amadurecer, outra num inglês que desafia ouvidos menos abrangentes.
Junto à esplanada onde o jovem bebeu uma Coca-Cola, há uma feira de Natal.
Aparece um suposto índio americano semi-nu, com um ar pouco convincente, que vai gritando e convida, por detrás dos óculos escuros, os turistas a tirar fotos com ele.
Os rapazes loiros e altos aceitam o desafio, e alguns também se despem parcialmente para o efeito…
No meio de barraquinhas de comida e bebida, encontra-se uma casa com um grande Pai Natal de plástico e um homem de carne e osso, num traje tradicional de inspiração irlandesa, à porta.
Lá dentro, Pais Natais pequeninos, médios, maiores, de todos os tamanhos. Presépios e decorações natalícias para qualquer gosto possível, acompanhados por uma banda sonora de festa de aldeia com letras alusivas a Jesus.
Fora da loja, ouve-se Jazz. Há uma construção de madeira com Ginja de Óbidos em copos de chocolate preto ou branco e vinho quente em recipientes de plástico de dez centilitros.
Uma ruiva que não deixa ninguém indiferente e uma africana de formas perfeitas saboreiam o néctar aquecido, por três euros. Dizem que está forte e tem muitas especiarias, a começar pela canela.
Deitam fora os pedaços de cravinho para não sentir o seu gosto demasiado intenso.
A poucos quarteirões de distância, um homem cego de 85 anos, com as estrelas como abóbada permanente e o vento por único companheiro, conversa com alguém que vai visitá-lo ao seu lar na calçada.
Espanhol, acompanha com interesse as notícias da Catalunha. Para ele, não faz sentido a separação. Era o mesmo que os pedaços que constituem os Estados Unidos quererem tornar-se independentes. Não funcionava.
Ali sentado nas escadas do edifício diariamente, ouve e analisa o que acontece à sua volta. Deu por uma manifestação de sindicalistas que exigiam salários mais altos.
Não concorda com a reivindicação e acha que vai dar maus resultados. Na sua opinião, a economia tem que crescer mais antes de isso acontecer.
Já viu muita coisa na vida e aconteceu-lhe de tudo. Podia estar acolhido numa instituição, bem abrigado e alimentado, mas não quer.
O homem que nasceu no mesmo dia e ano que Adolfo Suárez, antigo primeiro-ministro de Espanha, não tem nada mas sente-se completo e satisfeito. Se morresse esta noite, diz, iria perfeitamente feliz e tranquilo.