Revela, a propósito da polémica sobre o sarampo, que já está vacinado contra a tuberculose. Mas da pior maneira.
U. contraiu-a quando era menino, no país onde vivia com a família. Isso foi há umas oito décadas. Pensou que ia morrer, queria até pôr termo à vida, mas não teve coragem.
Relata que a doença desapareceu por milagre, sem que os médicos, que apenas lhe detectaram uma mancha pulmonar e o declararam curado da patologia, conseguissem explicar porquê.
Mudou de continente com os pais, para uma nação onde já tinha familiares. Viviam-se tempos de ditadura.
Estudou, trabalhou. Com persistência e tenacidade, conseguiu emprego numa próspera multinacional.
O seu chefe levou-o a almoçar a um lugar de luxúria e segredo, que ninguém conhecia. Era o ponto de encontro dos mais poderosos da sociedade.
Chegou a ser dono de uma empresa e a ter uma vida de prazeres e luxos. A amante fez correr, falsamente, que ele era contra o regime. Nunca mais conseguiu trabalho e perdeu tudo o que tinha.
Decidiu ir estudar gratuitamente numa faculdade estatal, já que não havia mais nada a fazer. Trabalhou para a instituição de ensino, dando consultas, que os pacientes procuravam, também por serem grátis.
Mesmo ali, foi perseguido pelas falsas acusações de envolvimento político. Foi a uma espécie de julgamento universitário, mas a sua sensatez e inteligência, aliadas à sabedoria e ao relato detalhado e circunstanciado de todas as perseguições políticas que sofrera, fizeram com que fosse ilibado.
Os anos seguintes ao curso passou-os a viver sem nada, nas ruas, por vários continentes.
Aterrou em Portugal. Sem tecto, aceitava de vez em quando alimentos frugais e alguns momentos de conversa com voluntários de várias instituições.
Diz que essas são pessoas muito boas e generosas, que se preocupam com os outros.
Sofre de várias doenças agravadas pela idade e acabou internado, contra a sua vontade e a sua liberdade, numa instituição que, embora não pareça de todo adequada para uma alma tão livre e sábia, lhe proporciona cuidados, acompanhamento e apoio a nível de saúde.
As horas do Sábado que antecede as presidenciais francesas, um dos inúmeros temas que segue com enorme interesse e analisa com profunda lucidez, passam em minutos.
Relata uma derradeira história. No segundo local onde viveu, quando ainda tinha casa e trabalho, encontrou uma cadelinha que estava a ser devorada viva pelos parasitas.
Pensou ir a casa buscar uma potente Smith & Wesson, acabar com o sofrimento do animal. Mas ninguém ia perceber.
Achariam que era um assassino, e não alguém que queria fazer o bicho parar de sofrer.
Foi a uma loja especializada, comprar um produto anti-parasitas. Os vermes que estavam a matar a amiga, a quem já dera nome, morreram no momento.
A pequena bebeu, e bebeu, e bebeu. Estava desidratada. Ainda teve um cachorrinho, a quem U. deu um nome tão inspirado como o que atribuíra à mãe.
Quando saiu do país de algibeiras vazias, tendo vendido por nada tudo o que tinha, os dois felizes caninos ficaram para o novo dono da casa.