A rapariguinha aguardou que todos saíssem e veio ter comigo. Tinha, no máximo, uns 15 anos. “Olhe, stor, eu vim falar consigo porque gosto de si e estou preocupada consigo. Isto não está a resultar. Nós estamos habituados a aulas mais interessantes, com mais pica. O stor tem que fazer com que as nossas também sejam assim”.
A míuda tinha toda a razão. Estava a dar aulas de jornalismo havia dois ou três dias, algo que nunca tinha feito, já que tinha sido jornalista toda a vida. Tinha passado algumas noites a estudar os géneros jornalísticos, que praticava diariamente havia décadas, e as regras do exercício da profissão, para poder preparar futuros repórteres.
Em suma, o ensino que estava a começar a fazer estava a ser uma seca para os seus destinatários, os alunos. Fui para o trabalho, e depois para casa, pensar naquilo. No dia seguinte as aulas tornaram-se muito mais práticas: Era essa a parte que não tinha chegado suficientemente depressa, e da qual eles estavam a sentir a falta.
Desse momento em diante, sempre que alguma coisa era explicada em teoria, na hora seguinte era logo aplicada à prática. Os candidatos a profissionais da palavra começaram a dar ao dedo mais cedo do que estava planeado e passaram o resto do ano a escrever todos os tipos de textos de todos os géneros jornalísticos, enquanto aprendiam a fazê-lo. De um momento para o outro deixou de existir a seca que estavam a sentir.
No ano seguinte chegou uma turma em que os alunos, embora pagassem propinas elevadas, pareciam mais estar num território de intervenção comunitária. A direcção da escola chamava-lhes “a turma dos cadastrados”. Não eram nada disso, eram um grupo de miúdos que estava maioritariamente num curso que não escolhera e já passara por experiências demasiado marcantes, demasiado cedo.
Não eram um osso fácil de roer, e a primeira metade do ano foi passada a pensar se de facto fazia sentido continuar a ser “stor”. Houve que puxar pela criatividade.
Houve aulas em que se simulavam manifestações de protesto contra alguma coisa, com alunos a fazer de contestatários, de sindicalistas, de polícias. Em que, de repente, aparece um papel a arder e há que acalmar e tranquilizar as hostes…
Houve saídas nocturnas que serviram para chegar à intimidade e ao núcleo da confiança do grupo. Reuniões em que, quando a direcção da escola dizia que “eles têm um passado”, respondia “mas também têm um presente e um futuro”. Ou em que pedia que não houvesse uma rigidez cega contra eles, evitando que ficassem mais estigmatizados.
Perceberam que havia alguns formadores na escola que não iam sempre partir do princípio que eles tinham errado, antes de os ouvirem e tentarem trabalhar com eles. Reagiram dedicando-se e envolvendo-se com o curso e os respectivos projectos práticos e teóricos. Acabaram por fazer tudo o que se queria e esperava deles. Afinal, não eram a “turma dos cadastrados”. Eram uma turma como outra qualquer. Apenas andavam perdidos e desmotivados, até chegarem ali…