“Olá!”. “Quem é?”. “Sou eu, da Comunidade Vida e Paz. Mas hoje vim sozinho, para ver como estava”. “Ah, olá, como está? Como eu sou cego, não sabia quem era”. “E então, como se encontra?”. “Vivo e feliz”.
“Estou a ler um livro que o senhor deve ter lido na sua juventude, certamente. Liberdade ou Morte, sobre as guerras e as rivalidades entre Creta e a Turquia”.
“Sim, lembro-me do livro. Os gregos e os turcos sempre estiveram em guerras religiosas sem fim. Há muitas lutas religiosas, e dentro das próprias religiões. Entre muçulmanos sunitas e muçulmanos xiitas, por exemplo. Eu, como sou a pessoa mais feliz do Mundo, a mim essas guerras pouco me interessam. Escapei 15 vezes da morte, muitas delas não faço ideia como”. “Sim, mas como acredita em Deus certamente não pensa que foi por acaso”.
“Pois. A primeira vez foi quando era menino, e jogava, em Espanha, à Pelota Basca. Muitos meninos que eu conhecia morreram de tuberculose, e eu também sofri da doença. Como estava certo de que não havia nada a fazer, não disse aos meus pais. Eles desconfiaram e levaram-me ao médico, que me fez uma radiografia. A doença tinha evoluído, e eu já tinha uma mancha no pulmão… Mas o médico disse aos meus pais que a mancha significava que o meu corpo já tinha reagido, e eu ia sobreviver”. “Incrível”.
“Outra vez, estava na praia, no mar. Ultrapassei uma duna e fui nadando, até que me desviei da duna e fui parar junto de um buraco. Com as ondas e a corrente, não conseguia voltar para trás. Despedi-me do meu carro, dos meus amigos, dos meus cães. Não pedi ajuda a Deus. Pensei: Se tanta gente, crente e ateia, passou por esta situação, Lhe pediu ajuda e morreu na mesma, de que me serve eu pedir-Lhe socorro? Já tinha desistido, até que pensei: Nada na diagonal, para voltares para perto da duna e conseguires chegar ao outro lado, em direcção à praia. Nesse dia, disse à minha amante: Olha, tudo o que nós tínhamos programado para hoje já não vai existir. Estou muito, muito cansado.”. “Acredito”.
“Numa altura, tinha um cargo de chefia numa multinacional farmacêutica, e andava sempre de fato, de uma reunião para outra, pelo mundo fora. Nesse dia, o autocarro para o aeroporto atrasou-se, e, por isso, perdi o avião, além de que já não tinha tempo para ter o fato engomado e preparado para a reunião. Fiz um telefonema a dizer que não iria conseguir ir à reunião, porque tinha perdido o avião. Nessa época, na década de 50, o presidente Eisenhower tinha viajado para lá, numa visita ao Brasil. O avião onde seguia a banda filarmónica que costumava acompanhar o presidente nas suas viagens colidiu com outro. Morreram todos os músicos e o resto dos passageiros. Só se salvaram dois Marines, porque a parte do avião onde seguiam se partiu, eles caíram ao Mar e conseguiram nadar até terra. O avião que colidiu com o da banda foi o avião que eu perdi”. “A sério?”.
“Um dia, viajava de comboio, e ia agarrado à porta, do lado de fora. Vinha um comboio na direcção contrária, com uma mulher também presa na porta. Numa curva apertada, os dois comboios aproximaram-se um do outro, em grande velocidade. A mulher tinha consigo uma marmita, com arroz com feijão. Não ia bem segura, ao contrário de mim. Saltou no ar, bateu no meu comboio, passou a milímetros de mim. Já vinha morta quando passou por mim. Se me tivesse acertado, tinha sido morto por um cadáver voador. Quando fui ver o fato, tinha umas manchas. Arroz com feijão”.
“Bem, meu querido amigo. Estou sem fôlego. Desejo-lhe um bom dia 1 de Janeiro, e um bom ano”. “Um bom ano para si. O meu amigo da Comunidade Vida e Paz veio visitar-me aqui no chão da calçada onde vivo, já não passei o primeiro dia do ano sozinho.”.