O senhor Dias é um caçador gentil e implacável e eu não percebo nada do jogo das Damas. Na Festa de Natal da Comunidade Vida e Paz para as Pessoas Sem Abrigo, no Espaço Ser e Estar, este homem com dentes a menos, falas contidas mas humoradas e sotaque africano dá-me uma tareia neste jogo como nunca tinha levado na vida.
(Foto António Santos/ Comunidade Vida e Paz)
Vai-me lembrando: “Tem que ter sempre fome!”, a sua maneira de dizer que sou obrigado a comer uma peça… Para ele em seguida me subtrair três num só movimento, fazer dama e ganhar.
Isto acontece sucessivamente, um jogo após outro, até o senhor Dias ter pena de mim e ir dar um giro pela festa. A seguir eu e a minha amiga somos cilindrados alternativamente pelo senhor António, que nos explica como se joga às Damas.
Aprendemos as técnicas básicas de defesa e ataque mas não temos qualquer hipótese: Os mestres são eles, nós somos caloiros imberbes.
(Foto – Lara Raquel Silva)
Na Festa de Natal da Comunidade Vida e Paz, as Pessoas Sem Abrigo têm, durante três dias, refeições, roupa, dentista, serviços jurídicos, burocráticos, médicos, segurança social, emissão de cartão do cidadão, barbeiro, duche, missa, espectáculos de dança, música e teatro para eles.
Têm uma celebração de amor e carinho que existe por eles. E têm uma representação extremamente forte do Espaço Aberto ao Diálogo: O serviço da Comunidade Vida e Paz que começa por resolver os problemas do dia-a-dia das Pessoas Sem Abrigo para, depois, as levar ao caminho da reinserção na sociedade, através das Quintas e comunidades de reinserção da Comunidade Vida e Paz.
Os voluntário estão na festa para pô-la de pé e receber os seus convidados. Animá-los, alegrá-los, brincar, conversar, sorrir, rir e dançar com eles. Atender às suas necessidades mais pequenas ou mais dramáticas.
Depois de estar na conversa e na jogatina com o senhor Dias e o senhor António, as pernas dirigem-se ao recinto principal da festa e procuram pessoas sozinhas, desamparadas, aborrecidas ou desanimadas, para levar-lhes um sorriso, dois dedos de conversa, um abraço, uma mão no ombro.
Há um homem idoso e frágil que quer coçar-se na cintura por baixo das calças e não consegue. Ponho-o de pé, tento ajudá-lo e coçá-lo, sem sucesso. Deixo-o com algumas palavras de simpatia, depois de ele desistir, e digo-lhe que “qualquer coisa, é só chamar-nos”.
Levo duas horas a voltar a encontrar, no meio da confusão, a mulher que me pediu um copo de água com açúcar. Persisto, mais três voltas às duas salas de jantar e dou com ela.
O melhor está para vir. O turno dos Motivadores acabou, vou juntar-me às tropas da Animação, esse grupo que sorri a toda a gente e a todas as pessoas abraça entre dois desafios para dançar a música que está a tocar na hora, seja qual for.
Homens e mulheres dos 5 aos 70 anos transfiguram-se ao som da banda que toca os êxitos internacionais mais conhecidos. Tornam-se os reis da brilhantina, os ases do rock and roll e as estrelas cintilantes do Kizomba.
As voluntárias andam também entre os 16 e os 60 e tal anos. São elas os anjos que fazem brilhar os olhos destes rapazes e homens, oferecendo-lhes o verdadeiro baile a que só têm direito aqui.
Homens de 70 anos pedem números de telefone, dançarinos exímios não largam as voluntárias simpáticas e alegres, um rapaz de 20 e tal diz que ainda vai dançar com mais duas delas antes de se ir embora.
É a magia da Festa de Natal da Comunidade Vida e Paz para as Pessoas Sem Abrigo.
Bem haja, se fossem todos assim haveria menos pobreza de espírito… continuem a levar vossos sorrisos a quem mais precisa… Tdo de bom para vós…❤
Obrigado, Salete 🙂