“Ouve lá, os subtítulos, foram de férias? E os parágrafos, foram nadar?”. 20 e poucos anos, tinha começado havia dias a estagiar no Diário de Notícias. A Lena, tão recente na minha existência como os outros “senhores” que trabalhavam na redacção do DN, tinha-me dito:
“Amanhã trazes uma proposta de reportagem”. No dia seguinte não era ela que estava a chefiar a secção, mas sim o “senhor JLP”, homem de muito poucas falas que metia respeito à distância. Munido de coragem e incentivado pela recordação da amável chefe ausente, fui lá e propus… Uma reportagem sobre a desindustrialização do Barreiro, o antigo colosso fabril da margem sul então mergulhado na decadência, quando estávamos no início da década de 1990.
Algumas semanas de investigação, para depois apresentar a primeira versão ao Humberto, o “velhinho dos estagiários”. O Humberto era um monumento no DN. Não era assim tão velho, mas que era dos estagiários, era. Ele e o seu comparsa, o João Pedro, que tinha pouco mais de um terço da idade dele.
Levávamos as nossas prosas ao Humberto, e ele não nos editava, cortava ou alterava os textos. Éramos nós que tinhamos que fazer isso aos nossos artigos, seguindo as sugestões dele, até as notícias estarem perfeitas.
Assim aprendíamos, fazendo, corrigindo e refazendo. O Humberto e o João Pedro tinham umas ideias maravilhosas, nessa época em que os computadores em Portugal ainda eram coisa recente e pouco desenvolvida.
O sistema, no entanto, já permitia ir recuperar textos antigos, para consultar determinados parágrafos ou frases que pudessem ser úteis para novos textos sobre os mesmos temas. (A Internet ainda era uma coisa de especialistas, os telexes fervilhavam febrilmente na redacção trazendo-nos as notícias do Mundo, acompanhavam-se os canais internacionais de televisão e INVESTIGAVA-SE). Como um desses textos que tinham recuperado e consultado, num dia longínquo, era sobre os índios mohawk, o Humberto e o João Pedro explicavam-nos que o tal sistema de recuperação de textos antigos era “O Mocas”.
O que é certo é que, quando entreguei o texto ao “senhor JLP”, depois de o ter escrito e refeito segundo as sábias recomendações do Humberto, o chefe disse duas coisas, no momento em que lhe pedi para assinar o papel de entrada e saída do edifício. “Eu assino. Eu hoje assino tudo o que tu quiseres”; E, em seguida: “Não, ‘tava porreiro. ‘Tava porreiro”. A sua reacção constituiu quase o único conjunto de frases que lhe ouvi sair da boca durante o meu estágio de três meses. Mas para mim chegou.