Íamos ali quase todas as semanas, os três, eu, o J e o L, os meus dois amigos de adolescência e juventude. A Casa da Cultura dos Trabalhadores da Quimigal, para nós, não era a Casa da Cultura dos Trabalhadores da Quimigal. Era O Cinema. Lá vimos o Rambo, O Exterminador Implacável, O Regresso Ao Futuro, A Ilha das Cabeças Cortadas, tantos e tantos grandes clássicos do cinema de que toda a gente, ou quase, se lembra.
Quando levávamos a prima do J, era do melhor. A miúda era a nossa “mascote”, e, com ela, fazíamos entredentes a crítica social da malta que ia chegando enquanto a sessão não começava.
E a língua dela era bem afiada. “Olha para aquele, com aquele cabelo, parece sei lá o quê!”. “E aquela, com aquela saia?! Mas de onde é que aquilo saiu?!”.
Havia outra coisa que fazia parte do ritual semanal. Eu e os meus dois amigos observávamos, atenta e intelectualmente, os painéis de arte estalinista e semi-surrealista (o estalinismo era bem visto naquela terra e naquela época) que compunham as paredes.
E cada um de nós, estudando as caveiras, as armas, a guerra, a marcha dos povos e dos exércitos, disparava a sua sentença. “É isto!” “Não! É aquilo!” “Nã, nã, não é nada disso, significa isto e isto, assim e assado”.
Um belo dia lá estávamos os três, e vira-se de repente o L: “Finalmente já consegui perceber os paínéis! Já sei o que significam!!”. “Humm?!” – ficámos os dois de boca aberta a olhar para ele, à espera para lhe cair em cima e arrasar a avaliação dele. Mas não foi nada disso que aconteceu… “Então?! O que significam?!”. O nosso querido amigo responde, deixando-nos claramente sem espécie alguma de argumento: “Tudo é relativo”.