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O Tarzan que veio de Goa

O homem jovem, bem disposto e com aspecto agradável tocou à campainha, esperando que o atendessem na rua. Espantou-o muito que, naquela tarde quente, algures nos finais dos anos 1970, o mandassem entrar, o acolhessem com amizade e carinho, lhe dessem cama e mesa. Então, era meu tio, cunhado da minha mãe e do meu pai, porque não havia de ter essa recepção?!

Bem, o meu tio era negro, bem escurinho, não era coisa em que não se reparasse. Por isso, não estava nada habituado a ser acolhido da forma normal, decente e devida a qualquer familar, e aos seres humanos em geral.

Mas foi o que aconteceu, evidentemente. Já que o português dele, na altura, não era o mais fluente, trataram-lhe de todas as papeladas e burocracias necessárias.

O meu tio pegava nos pirralhos – eu e a minha irmã – e íamos passear à beira rio. Havia uma árvore, com uma corda, ele agarrava em nós e lançava-se, pendurado nela, gritando que era o Tarzan, para nos fazer rir a bandeiras despregadas. E repetia aquilo todas as vezes que quiséssemos.

Ao almoço, fui ouvindo ao longo dos anos as conversas impagáveis entre o meu pai e o meu tio. O meu tio falava francês e inglês na perfeição, mas o português não era a praia dele. O meu pai dizia as palavras muito alto e com as sílabas muito bem divididas, para que ele percebesse. Ele ficava a olhar para o meu pai.

Conversas em quatro línguas

Com os anos, o meu inglês foi melhorando, com a ajuda das cartas nessa língua, trocadas ao longo da vida com o meu tio. Assim, as conversas familiares ao almoço ganharam uma nova componente. Enquanto o meu pai e o meu tio se entendiam mais ou menos, através das linguagens universais que todos os homens usam para se compreenderem, havia uma guerra surda e carinhosa.

Eu, queria era falar em inglês com o meu tio, o que, na verdade, era bastante egoísta. E todo o resto da família, evidentemente, exigia que usássemos o português. Eu e o meu tio éramos só dois, mas ganhávamos, habitualmente.

Quando a sua filha linda e doce foi crescendo, eu e a miúda criámos, também, outras formas de comunicação. Ela falava-me em francês, eu respondia-lhe em português, e dialogávamos sempre na mais harmoniosa das perfeições.

Quando ela se casou com um simpático e divertido polícia espanhol, comecei a tentar dizer as mesmas frases em português, portunhol e luso-francês. O que eu sei é que as minhas conversas com a miúda, e, depois, com o marido, sempre envolveram muitas e muitas gargalhadas.

O meu tio, que é goês, viveu em França e trabalhou na Arábia, mora agora nas Filipinas, e já me ofereceu casa lá. O filho vive em França, junto da mãe, a minha querida tia, que parece ter sempre 15 anos a menos do que a idade real. A filha, em Espanha, com o marido e as pequenotas. Já não os vejo há algum tempo. Tenho saudades das conversas com pseudo-tradução simultânea em quatro línguas.

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