“Ouça lá, mas eu tenho que falar com alguém. Estou a perder tempo, a faltar ao trabalho, a perder dinheiro e a pagar o estacionamento aqui no centro de Lisboa. Já vim cá não sei quantas vezes e o problema mantém-se. Vocês cortaram-me o subsídio de desemprego, que estou a acumular, legalmente, com trabalho em tempo parcial, porque confundiram trabalho independente com trabalho por conta de outrem!
Eu tenho que falar com alguém! Se não me deixarem falar com alguém volto amanhã, mas amanhã venho para pedir o livro de reclamações! Estão a tirar-me o dinheiro para alimentar as minhas filhas!”.
Enquanto esta situação dramática se desenrola, há outra que decorre em pano de fundo. A senhora da limpeza, enojada e irritada, pede ao segurança, pouco convencido, que vá ver a casa de banho e o estado repugnante em que alguém a deixou.
“Ouça, minha senhora, porque é que eu tenho que ir ver a casa de banho? Eu já a informei, é esse o meu trabalho. O meu trabalho é transmitir a informação, não ir ver como está a casa de banho”.
A senhora diz que ganha três euros à hora e tem que lidar com isto, e que já passou do turno dela. Dois homens, provavelmente desempregados, acabam por dar também a sua opinião.
“Sabe o que é? Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”, diz o jovem mulato de barba e boné que espera para ser atendido. Mas o homem branco, meio barrigudo, de cabelo escuro e rosto avermelhado que o ouve dizer aquilo tem um parecer muito diferente.
“Olhe, sabe o que é que eu lhe digo? Era pegar em quem fez aquilo, levá-lo lá dentro e espetar com a cabeça dele dentro da sanita, com força. E dizer-lhe: ‘Olha, estás a ver como é?! Estás a ver como é?!’ Não, isto já não vai lá com avisos nem pedidos. Isso é a democracia do cocó. As pessoas agora já só percebem de duas maneiras. Ou com porrada ou quando lhes vão ao bolso. Não há outra maneira”.
O jovem a quem ele respondeu, e algumas das outras pessoas ali presentes, riem-se entredentes com a radicalidade da proposta. São os tempos que correm…