A mulher de cabelos castanhos e compridos, óculos grossos, dentes salientes e disposição sempre cordial, na sua secretária atrás do computador, já me conhece, depois de muitas visitas e peripécias. Antes de chegar a ela vejo várias pessoas sentadas, de papel na mão, à espera. Não é normal.
“Não, hoje, não é possível fazer o registo. É melhor vir à tarde, ou amanhã”.
Depois de um almoço rápido, volto.
“Não, continua a não ser possível. Deixe-me o seu contacto. Ou eu ligo-lhe ou volte amanhã”.
A meio da tarde, entre as múltiplas actividades da associação Animalife e a luta contra o abandono de animais de estimação, o telemóvel toca.
“É da Junta, não é?”.
“Sim, sim. O sistema já está a funcionar. Pode vir cá amanhã, ou quando quiser”.
Regresso no dia seguinte.
“Aqui está a prova de que fez a sua apresentação quinzenal. E de que não é possível marcar uma nova, porque já não são obrigatórias”.
“Hm. E agora, em alguma altura, alguém me vai dizer algo sobre o que é para fazer a seguir, certo?”.
Com a mão, faz um gesto vago e abrangente, pleno de significados. Um dia vão dizer-me alguma coisa… Nunca vão dizer-me nada? Algo a meio caminho…
O Governo acabou com a obrigação de apresentação quinzenal dos desempregados, que será substituída por outras formas de acompanhamento e controlo de quem não tem trabalho. Formas essas que, para já, ninguém sabe quais são.