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Chamavam-me “Foguinhos”

Não havia muita coisa para os miúdos fazerem nos tempos livres, há 45 anos.

O Barreiro foi considerado por um antigo Presidente da República “uma legenda do movimento operário”, com uma forte implantação das forças de esquerda.

Os meus pais não tinham grandes simpatias partidárias. A minha mãe era crente devota na Liberdade e Democracia, o meu pai na Estabilidade Política e Económica, e votou em diferentes formações, da esquerda à direita.

O PCP tinha uma organização infanto-juvenil que se chamava os Pioneiros de Portugal.

Reproduzia algumas das funções de socialização dos Escuteiros. Em vez de estarem ligados à igreja cristã, estavam associados às crenças do PCP.

Alguém deve ter pensado que, apesar das rivalidades acesas entre essas duas fés, se calhar não havia assim tanta diferença.

O que interessava era que os filhos estivessem ocupados e conhecessem outras crianças.

Assim, eu e a minha irmã, durante uns tempos, andámos nos Pioneiros de Portugal.

Não me lembro de que actividades socializantes fazíamos lá, mas pelo menos não estávamos parados em casa.

Sei que houve uma celebração para organizar, algo que envolvia enfeites, decorações e fios de nylon.

Por essa razão, a minha irmã esteve a fazer trabalhos manuais, e teve que cortar os ditos fios… Com o lume de um fósforo, à falta de tesouras.

Puto irritante, embirrento e mimado que era, saiu da minha boca uma tirada fatal.

“Vou dizer à mamã que andas a fazer foguinhos”.

A partir daquele momento a sinistra conjugação verbal foi repetida pelos outros Pioneiros de Portugal biliões de vezes.

Passei a ser o “Foguinhos”.

Graças a estas e outras, sucederam-se anos com o “Foguinhos” a ser alvo de chacota e bullying, palavra que, evidentemente, só chegaria até nós muitas décadas depois.

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