Naquela cidadezinha brasileira do fim do mundo, há sessenta anos não abundavam as mulheres interessantes. Ele trabalhava na indústria farmacêutica e fazia a divulgação dos medicamentos. Começou a aparecer por ali uma rapariga jovem, bonita e inteligente.
Era a sobrinha do administrador, e todos os dias falava com os vários vendedores. Com ele, demorava-se mais um ou dois minutos. Claro que lhe agradava, mas o homem passava a vida na estrada, tinha que fazer regularmente viagens de dezenas de horas.
Sentia-se como os marinheiros, que têm uma mulher em cada porto mas não se ligam verdadeiramente a nenhuma. Antes de partir para mais uma deslocação a garota ofereceu-lhe um livro, O Homem que Calculava.
Foi-se embora. Foi transferido de Minas Gerais para o estado de Espírito Santo, e as suas deslocações prolongadas passaram a só acontecer uma vez por mês.
Andou de um lado para o outro, prosseguiu com o trabalho, falou com este e aquele, dedicou-se à sua nova vida na recente localização. Nunca mais pensou naquilo.
Um dia pôs-se a folhear o livro, alegadamente escrito por um autor persa, mas na verdade concebido por um professor brasileiro. Folheou, avançou, recuou, degustou as aventuras imaginárias desse homem da antiga Pérsia que fazia contas.
Chegou ao verso da contra-capa, já depois das folhas de guarda, aquelas páginas em branco que inauguram e encerram cada um dos romances publicados.
Ali alojada, ocupando todo o espaço de cima abaixo, encontrava-se uma calorosa declaração de amor. Da rapariguinha que estava lá longe, a horas de distância, separada dele por muitas centenas de quilómetros, e pela nova existência que a empresa lhe oferecera e aceitara de bom grado.
Explica-me que hoje, se for viva, deve ser “uma velha de 85 anos”, como ele (nas suas palavras). Terá tido filhos, netos, bisnetos… Viveu talvez uma existência feliz, intensa, preenchida. Como o meu amigo, que passa os seus dias recolhido numa instituição, sossegado no seu canto, partilhando todas as suas histórias com aqueles que quiserem ouvi-lo.
Confessa-me que ela foi o único e grande amor da sua vida.