Oferece-me um cobertor dobrado para me sentar ao seu lado na calçada, porque assim fico muito mais confortável. Viajamos no tempo até 1959.
Era delegado de informação médica no Brasil. Deslocava-se de Minas Gerais para o Rio de Janeiro. Conduzia havia muito tempo, debaixo de um calor escaldante, faltava bastante para a próxima cidade e estava cheio de fome.
Viu uma construção isolada, que podia ser eventualmente um restaurante de beira de estrada, embora não tivesse nenhum carro ou camião por perto. Decidiu entrar.
Era mesmo um desses lugares. Com frangos, criados ali à volta pelo proprietário. E cervejas, que tinham mais ou menos o tamanho de uma mini.
O dono explicou-lhe que ia ter que esperar um bocado, mas podia servir-lhe um frango com salada, acompanhado com cerveja. Esperou. A comida agradou-lhe. Fez algo que jamais repetiria.
Comeu dois frangos e bebeu uma dúzia de cervejas. Se fosse hoje, esclarece, nem quereria carne.
A vida de um delegado de informação médica no Brasil dos anos 1950 era peculiar. Eram obrigados a decorar, até à última letra, várias folhas carregadas de informação sobre cada um dos medicamentos, para depois os apresentarem aos médicos.
Mais de meio século depois, ainda se lembra de alguns parágrafos inteiros, que recita de cor para mim.
Em tempos, foi colocado numa cidadezinha do interior, onde os farmacêuticos nunca compravam medicamentos do seu laboratório, por causa de um mal-entendido relacionado com nomes e marcas.
Todos os dias ia fazer conversa com os donos das farmácias, perguntar como estavam, se tudo se encontrava bem. Mas já sabia que nunca queriam nada.
Um dia, os serviços da multinacional onde trabalhava enganaram-se. Em vez de lhe enviarem as pequenas amostras dos remédios para demonstração, mandaram-lhe os originais, nos tamanhos e quantidades normais, como se fossem ser vendidos.
O que ia fazer com aquilo? Pôs-se a pensar. Ofereceu o carregamento de medicamentos aos farmacêuticos da cidade. Esteve para ser despedido.
Mas não seria esse o destino. Depois disso os donos das farmácias, que nunca queriam adquirir nada, mudaram de ideias. Quando entrou na primeira disseram-lhe logo isso.
E informaram-no de que todas as outras da cidade também iriam fazer-lhe encomendas.
Não o despediram, foi promovido e mais tarde tornou-se director.
Seis décadas depois, cego, octogenário e a viver na rua apenas porque quer, comenta que esta história tem uma moral. As coisas às vezes demoram, muito tempo até. Mas o esforço e a persistência (e a sorte) acabam por compensar.