Emigrantes, como o meu pai

Foram para a Alemanha numa idade em que, nos dias de hoje, ainda estariam a estudar.

Foi o que fizeram os meus pais e o irmão da minha mãe, entre o fim da década de 1960 e o início da de 1970.

As três irmãs da minha mãe, por sua vez, saíram para França.

Tal como já tinham feito antes os tios do meu pai.

Deram um novo fôlego à sua existência, à dos futuros filhos e netos.

Afastaram-se da apagada e vil tristeza que se vivia no nosso país.

Trabalharam árdua e incansavelmente, dia e noite.

Equilibraram as contas, e, nalguns casos, até ficaram com uma situação relativamente confortável.

Muitos já cá não estão, mas falei com todas estas pessoas inúmeras vezes ao longo dos anos.

Nas centenas de conversas que tivemos, todos recordavam com satisfação e alguma saudade o tempo passado nessas nações mais prósperas.

Não me lembro de nenhum deles se queixar da forma como foi tratado.

Dou um salto de cinquenta anos e penso nos homens e mulheres que andam todos os dias por Lisboa, pela Margem Sul e por todos os cantos de Portugal. Chineses, paquistaneses, indianos, nepaleses, bengális (habitantes do Bangladesh), sírios e muitos outros.

Os nossos fugiam da pobreza, da miséria, da claustrofobia. Estes viram costas à desgraça, à fome ou à guerra.

Os meus familiares atarefavam-se de sol a sol, os imigrantes actuais vêm trabalhar com a mesma intensidade.

Os portugueses deixavam tudo para trás, para darem a volta à vida e poderem depois sustentar a família.

Que diferença há? Nenhuma.

Estes visitantes vêm, normalmente, abraçar as profissões menos qualificadas, que os nacionais recusam. Chegam com o objectivo de sobreviver, melhorar a existência.

Como os meus pais, os meus tios e as minhas tias.

São nossos irmãos.

Tal como os meus familiares me contam que foram bem acolhidos (e por uma questão de mera Humanidade), estas pessoas devem ser recebidas da melhor forma possível.

Esta gente igual a mim e a todos nós merece um trabalho, um lar, comida na mesa, cama, vida decente. Tanto como eu. Tanto como qualquer um.

Chamavam-me “Foguinhos”

Não havia muita coisa para os miúdos fazerem nos tempos livres, há 45 anos.

O Barreiro foi considerado por um antigo Presidente da República “uma legenda do movimento operário”, com uma forte implantação das forças de esquerda.

Os meus pais não tinham grandes simpatias partidárias. A minha mãe era crente devota na Liberdade e Democracia, o meu pai na Estabilidade Política e Económica, e votou em diferentes formações, da esquerda à direita.

O PCP tinha uma organização infanto-juvenil que se chamava os Pioneiros de Portugal.

Reproduzia algumas das funções de socialização dos Escuteiros. Em vez de estarem ligados à igreja cristã, estavam associados às crenças do PCP.

Alguém deve ter pensado que, apesar das rivalidades acesas entre essas duas fés, se calhar não havia assim tanta diferença.

O que interessava era que os filhos estivessem ocupados e conhecessem outras crianças.

Assim, eu e a minha irmã, durante uns tempos, andámos nos Pioneiros de Portugal.

Não me lembro de que actividades socializantes fazíamos lá, mas pelo menos não estávamos parados em casa.

Sei que houve uma celebração para organizar, algo que envolvia enfeites, decorações e fios de nylon.

Por essa razão, a minha irmã esteve a fazer trabalhos manuais, e teve que cortar os ditos fios… Com o lume de um fósforo, à falta de tesouras.

Puto irritante, embirrento e mimado que era, saiu da minha boca uma tirada fatal.

“Vou dizer à mamã que andas a fazer foguinhos”.

A partir daquele momento a sinistra conjugação verbal foi repetida pelos outros Pioneiros de Portugal biliões de vezes.

Passei a ser o “Foguinhos”.

Graças a estas e outras, sucederam-se anos com o “Foguinhos” a ser alvo de chacota e bullying, palavra que, evidentemente, só chegaria até nós muitas décadas depois.

O Tocador Solitário

Chapéu axadrezado à moda tropical dos anos 1980. Casaco de Inverno.

Senta-se debaixo das nuvens e das arcadas da segunda praça da cidade, ao lado do Café Central.

Começa por cantar o Circo de Feras, (Xutos & Pontapés) Dunas (GNR) e Blowin’n in the Wind (Bob Dylan).

Demoramos a decidir se gostamos da voz do Trovador Solitário.

O Músico Anónimo faz como os profissionais quando tocam uma versão.

Personaliza cada música. Sabemos que estamos a ouvir o tema icónico dos Xutos, está idêntico…. Mas apropriou-se dele, tornou-o seu.

O Cantor da Calçada tem uma característica que o torna diferente do resto dos artistas de rua, e também do espírito do tempo.

Canta e toca sem nenhuma amplificação .

Chegam-nos aos ouvidos a sua voz e o som das cordas. Sem artifícios nem máscaras.

Fui dar uma moeda ao Guitarrista Desconhecido, em agradecimento pelo seu trabalho, e disse-lhe isso mesmo:

“Assim é que é, só voz e mãos para a guitarra, sem amplificações!”.

Estas alma artistica que encontramos debaixo do Sol aos fins de semana provoca um efeito peculiar.

Quando os dias são cinzentos e desinteressantes, ouvimo-lo durante alguns minutos entoando os seus hinos, desta terra ou do outro lado do Atlântico… E parece que as coisas ficam mais brilhantes e sorridentes sob o Astro-Rei.

O meu primeiro Avante!

O meu pai e o senhor Luís eram amigos daqueles que dariam a camisa, as calças, o prato e o que mais fosse preciso um pelo outro.

Eu era miúdo, e os filhos dele mais ainda. Mas uns jovens que sempre tiveram muita cabeça, além de serem maravilhosos, como os pais.

O senhor Luís, que naqueles longínquos anos 80 e até sempre foi um seguidor leal do partido de Cunhal, levou o grande companheiro e a família a visitar a Festa do Avante, já então na Quinta da Atalaia.

Já está tudo muito difuso na cabeça, mas foi o meu primeiro contacto com o grande evento anual do PCP.

Entre os dez anos e os 50, que me lembre cheguei a ser crente religioso, votante do partido comunista, bloquista, socialista, eleitor do PAN. Acabei socialista democrático, ou social-democrata sem partido: Defensor de uma sociedade democrática e de uma versão corrigida do capitalismo, com um Estado interventivo, regulador e dedicado a eliminar as injustiças sociais e económicas.

A verdade é que, anos mais tarde, com os filhos do Luís e com mais umas dezenas de amigos, também descendentes de alentejanos e que igualmente passavam férias na Costa Vicentina, passei a frequentar a festa comunista anualmente.

Ali nos consumíamos em convívios, conversas, jantaradas, copos. Ali comprávamos T-shirts de todo o Mundo, contactávamos com um pedaço da cultura de muitos países, viámos os concertos das bandas de que mais gostávamos ou de que nunca tinhamos ouvido falar.

Faziamos habitualmente os 10 a 15 quilómetros da Corrida do Avante, sempre de ressaca, e nessa época não costumávamos treinar, ou correr mais de uma vez por ano, e nem me passava pela cabeça o que eram ténis de running. Mas fazia-se, com a alegria da diversão e a força do companheirismo.

Festejávamos. Aqueles três dias eram como uma semana de férias. Ficávamos mais profundamente irmãos e deitávamos tudo cá para fora.

Dormíamos em casa da D. Lurdes, que sempre nos tratou a todos, família, amigos e amigos dos amigos, como príncipes, sultões e Presidentes.

De tronco nu, apanhávamos escaldões com a intensidade do Sol de Setembro. Havia os namoricos que aconteciam no meio de toda aquela animação e loucura.

Podiam durar horas, meses ou eventualmente mais.

Vivia-se a Revolução e a Libertação de Sexta a Domingo. Tenho saudades!

Banhos de Água Fria desde Abril

Avariou-se o esquentador de casa, há 30 e poucos anos.

Ali entre a década de 1980 e a de 1990 não havia muitas facilidades, para a maior parte da população.

Demorou uns dias até que o tal acessório fosse reparado.

Ao longo deles, o meu eu juvenil achou que era uma coisa interessante tomar banho de água fria.

O aparelho voltou a funcionar, mas continuei pelos duches frescos. Algo que aconteceu durante mais de dez anos. Nem sei quanto tempo foi.

Ao quarto de século, saí de casa e arranjei uma para mim.

Não tive a preocupação de instalar gás e esquentador. Para quê?

As frescuras matinais mantiveram-se.

Na quadragésima década de vida casei-me, civilizei-me e tornei-me um membro menos estranho da sociedade.

Passei, até, a ter fogão, esquentador e gás. Uma maravilha.

Em Abril de 2022 começou a falar-se de crise energética, aumentos, preços estratosféricos…

Decidi cortar alguns euros no orçamento.

Resultado: Desde esse mês, esta pele não toca em água quente, morna ou temperada.

Já não circula nada aquecido nos canos cá do sítio.

O líquido vital passou a contactar comigo diariamente à temperatura ambiente.

O Aranhiço

O Aranhiço passeava-se sobre o guardanapo.

A mesa tinha acabado de ser cuidadosamente limpa. Não são bichos que tenham gosto por sujidade.

São caminhantes e trabalhadores persistentes e higiénicos.

Do tamanho da carapinha do meu relógio de pulso, avançava, apressado, pela mesa.

Sou vegan, e tento sempre ao máximo não interferir com a vida dos animais, mesmo quando têm um milímetro. Limito-me a manter a casa limpinha, para que seja um ambiente bem saudável.

Estava bem disposto à frente do meu vegetable chow mein nepalês (massa) e do copo de Pias branco fresquinho. Não tinha pressa.

Pensei: “Porque é que eu hei-de estar a chatear-te, microscópico amigo? Vai lá à tua vida, eu espero para ter o guardanapo de volta.”

Fez isso mesmo e eu retomei a minha espectacular refeição semi-picante de oito euros, com café e mais de um copo grande de agradável vinho.

Curiosamente, depois disso ainda andou um pombo a deixar a sua carga na minha mesa, duas manchas grossas e brancas.

Na altura certa. Já tinha devorado e bebido tudo.

A Chuva Antes da Revolução

Fui correr à chuva.

Enquanto apanhava um bom banho de céu a subir a estrada perdida e clandestina rumo ao Cristo Rei (mais de dez minutos a pique) percebia que as grossas gotas vindas das nuvens têm que ser aceites sem reservas.

São nossas amigas. Há que acolhê-las de bom grado.

Uma bátega moderada como as que tenho apanhado nesta quinzena é um magnífico estímulo aos 60 minutos diários de corrida.

Vê-la a picar durante os 15 minutos em que o exercício se cola com o rio é igualmente motivante.

Pelo caminho fui visitar e mimar o Gato da Loja de Roupa, a Cadela Meiga do Centro de Tatuagens, os felinos do Jardim do Miradouro da Boca do Vento e as Panteras do Café dos Gatos Pretos.

Na Terra do Tio Sam, depois destas eleições, preparam-se para aniquilar o resto da Democracia e da Liberdade, e esse Cancro espalhar-se-á pelo Mundo.

Vamos ter que lutar pelos Direitos do Homem e da Mulher, pelas regalias de quem trabalha, pela Liberdade de Expressão, Pensamento e Informação.

Vai ser preciso combater.

Até lá vamos preparando o cérebro, os tendões e as articulações.

Isto é para si!

-This for you.
-Isto é para si.

Passo o tempo a ouvir esta frase quando vou ao nepalês Base Camp, em Almada.

Ou ofecerem o café, ou as entradas, ou a sopa de cogumelos, ou a bebida ou outra coisa qualquer.

Neste paradisíaco Oriente a escassos minutos do Cacilheiro, já era tratado principescamente antes.

Como, na verdade, qualquer pessoa que se apresente ali pela primeira vez.

Mas no outro dia dei uma ajuda importante e necessária a um membro da família que leva em frente este restaurante de belos sabores e preços ainda melhores.

Fá-lo-ia de novo e repeti-lo-ei sempre que possa.

É gente boa e decente, que está aqui para trabalhar e é isso que faz, arduamente.

Se já antes me sentia como membro do clã, depois passei a ser praticamente um irmão ou filho daquela comunidade.

Ali me desloco pelo menos uma vez por mês.

Uma massa com vegetais ou um arroz carregado de alimentos verdes, leguminosas e especiarias, uma variação de algo que comporte estes ingredientes e vários outros, em opções que satisfazem todos os regimes alimentares.

Uma ou outra cerveja, refrigerante, chá, batido ou copo de bom branco da casa (português). Pão nepalês, entradas, café, etc.

A conta fica invariavelmente entre os 6 e os 11 euros.

A simpatia é imensa e irresistível. Está-se mais em casa do que no nosso Lar.

A qualidade é óptima, o preço imbatível.

Quando já se foi lá de dia, de noite, durante a semana ou em períodos de lazer sente-se, além da paz e tranquilidade, um bocadinho como se estivessemos a viajar, espiritualmente e não só, rumo a paragens longe deste continente.

Como não voltar?

Ser vegan e perder peso

Sou vegan há seis anos.

Não para perder peso, por ser uma moda interessante ou (só) para ajudar a salvar o Planeta.

Enquanto for vivo não colaborarei mais, conscientemente e directamente, com o homicídio, tortura, sofrimento e crueldade contra animais.

Por isso não comerei nem comprarei mais carne, peixe ou qualquer tipo de produto que envolva sofrimento e exploração de animais.

É perfeitamente possível ser vegetariano restrito e engordar até rebolar.

Basta não fazer exercício e exagerar significativamente no pão, batatas fritas e outros salgados, doces (já os encontramos, em grande variedade, só com ingredientes baseados em plantas), álcool, molhos calóricos, ingredientes gordos para barrar no pão e por aí fora.

Ao longo desses seis anos, fiz quase tudo isso muitas vezes.

Mas também é totalmente viável só aceitar o que vem do reino vegetal e perder peso, ganhando saúde.

Durante anos, tive uma relação culpada e pecaminosa com o pão.

Um bom pão, de qualidade, funciona como quase tudo: Podemos comê-lo, sem exagerar – ao contrário do que fazia.

Um fantástico “casqueiro” alentejano dos grandes, que até engolia sem nada, dava-me para dois dias.

Cheguei aos 79 quilos.

Esta era a maior falha da minha alimentação. Todos os outros pecadilhos eram menos graves.

Durante algum tempo, cortei totalmente este alimento.

Com a sua desaparição, sumiram também sete quilos do meu corpo. Mantive sempre, obviamente, os preciosos vegetais, leguminosas, frutos secos, algum arroz, milho, massa, bananas (estas, diariamente), outros tipos de fruta…

Mas não me sentia saciado.

Fui introduzindo, cuidadosamente, quantidades moderadas de pão na alimentação.

Neste momento, continuo a correr uma hora por dia, como sempre fiz nos últimos 15 anos.

Consigo dissipar dois pães integrais individuais por dia e manter-me nos 73 quilos. Não é muito mau: Meço 1,73m. É o compromisso a que estou disposto.

E ainda dá para uma cervejinha a meio da tarde! Um luxo.

Um grande amigo meu disse duas coisas muito divertidas:

“O Vasco é o único vegan que consegue engordar a comer vegetais!”

E: “Se os vegetarianos não pudessem beber, havia muito menos vegetarianos.”

Farto-me de rir e acho que ele, em parte, terá alguma razão.

Guardem as armas, deixem O Presidente governar

Qual é a explicação para os ódios contra Lula, dos dois lados do Oceano?

As acusações judiciais contra ele não foram provadas – embora tenham aberto excepções legais para o enterrar o máximo de tempo possível na cadeia, mesmo sem provas…. Foram, antes, promovidas por um juiz que queria ser ministro, e que o foi, graças a esse processo. E por uma comunicação social completamente parcial.

Os outros Presidentes foram muito mais corruptos que ele e Dilma Roussef – destituída através de politiquice suja e expedientes duvidosos da direita radicalizada… Algum desses Presidentes muito mais corruptos do que o do PT chegou a ver a porta da prisão? Zero.

O problema de grande parte da direita, e dos homens prósperos, brancos e conservadores com o candidato do Partido dos Trabalhadores é o que se segue.

O gigante político eleito pela terceira vez para líder da nação brasileira tirou milhões de gente das favelas. Pô-las a ir à escola, à universidade, ao hospital, ao supermercado e à agência de viagens. A ser Pessoas.

O homem branco rico e conservador ficou indignado e ofendido por ver a empregada e o trabalhador pouco qualificado a usar autocarro, serviços públicos e programas de férias.

Este é o grande e crucial problema que a direita cega tem com Lula, dos dois lados do Oceano.

Agora acalmem-se, esvaziem as armas e deixem o Chefe de Estado Governar.

E já agora, quem não vive nem nunca residiu no Brasil tem toda a legitimidade para opinar sobre o país de Caetano e Jobim (e o mesmo acerca dos Estados Unidos, de França, da Alemanha, do Irão, de Espanha ou de Israel, por exemplo). 

Era o que mais faltava, que não a tivesse.

Nesse caso só poderia falar sobre o que se passa no meu bairro, no meu prédio e no meu quarto.