O primeiro almoço do ano

Não é fácil encontrar comida vegetariana e barata a 1 de Janeiro em Lisboa.

O único kebab da baixa está fechado, mas no meio de dezenas de turistas e restaurantes “típicos” para eles surge um indiano de orçamento simpático e com alguns pratos sem carne, peixe ou qualquer alimento animal.

Será então um arroz de agradável cor amarela com vegetais e leguminosas, regado com uma imperial. A refeição começa, o preparado está quente e saboroso.

Às tantas, surge um quadrado castanho e parcialmente fofo, dividido em fibras. Não é soja, tofu, seitan nem nada que se pareça. É carne!

Chamo a simpática e prestável empregada, e verificamos que se trata, de facto, do indesejado alimento. O pedido vai para trás e pouco depois chega um substituto sem contaminações carnais, acompanhado por 30 pedidos de desculpas.

Acabo por comer uma travessa e meia pelo preço de uma. Os americanos do meu lado esquerdo perguntam o que se passa. Explico e ficam aliviados. Pensavam, dizem, que tivesse encontrado “alguma coisa verdadeiramente horrível” entre os bagos amarelados.

Lá à frente, o iraniano que emigrou para os Estados Unidos mete conversa connosco e com toda a gente à volta. É vegetariano e queixa-se das dificuldades em encontrar onde comer.

Escrevo-lhe nas costas de um talão de multibanco o nome e a localização dos Vegana Burgers e fica muito agradecido. Diz-me que Los Angeles é a cidade dos vegetarianos. Os locais dizem, por piada, que até nas casas de bifes há duas páginas de pratos vegetarianos nos menus.

O iraniano e os americanos trocam impressões. Concluem que Fort Worth é o sítio mais texano que se pode imaginar. Tem grandes quantidades de “cowboys a sério, com cavalo e chapéu”.

Os habitantes de Fort Worth acham que Dallas nem faz parte do Texas, por não ser suficientemente texana.

Por essa altura, o vegetariano conversador já puxou assunto com a gentil empregada. Quer saber de onde é.

É do Bangladesh, que ele considera um país maravilhoso. A rapariga agradece. No final da refeição, os texanos e o iraniano despedem-se amavelmente.

Fico a saborear os últimos goles da imperial e os parcos raios de Sol que acompanham com relutância o primeiro almoço do ano.

“Podes ser muita bom, pá. Mas não és à prova de bala!”

Serve copos bem cheios de vinhos de qualidade superior aos filhos, aos amigos deles e a todos os familiares. Esclarece que lá em casa não entram garrafas de JP, e ninguém está autorizado a levar nada para a festa, a não ser vontade de comer, beber e conviver.

– Então, o que faz na vida?

– Era funcionário público. Um dia fartei-me daquilo, virei costas e nunca mais voltei. Depois fui segurança e mais tarde guarda-costas.

– Guarda-costas? De quem?

– Futebolistas, pessoas conhecidas…

– Então tem formação em luta e artes marciais.

– Sim, e também nessa coisa a que agora chamam Krav Maga. Que, na verdade, são apenas lutas de rua. Movimentos de ataque e defesa. Street-fighting. Até há filmes sobre isso.

– Pois, como o próprio Street Fighter. Além disso, o Krav Maga também é usado pelas forças armadas israelitas, certo?

– Bem, digamos que a principal defesa dos israelitas são mesmo as armas. Na verdade, eles têm o maior exército do Mundo, já que quase toda a gente se alista.

– E como é ser guarda-costas?

– Muitas vezes é apenas uma questão de antecipação. Aliás, esse pessoal que tem dinheiro nem gosta de se mostrar muito. Ou porque têm um relógio de milhares de euros no pulso, ou um casaco muito caro, e por aí fora. Mas este trabalho passa por ter ratice e observar bem. Às vezes, quando vejo que uma situação arriscada está em preparação, viro-me para o meu cliente de repente e digo-lhe: “Vamos embora já, agora mesmo!”. E saimos antes que comece o que quer que seja.

– Há momentos de tensão?

– Sim, mais ou menos… Imagina por exemplo essa malta do kickboxing, ou de outras artes marciais. Uma vez estava um ao pé de mim, e via-se que aquele grupo andava ali mesmo só para criar confusão. O tipo achava que era muito bom. Quando percebi que ele estava a querer esticar-se para o meu lado, só lhe disse uma coisa, serenamente, ao ouvido. “Olha, podes ser mesmo muito bom. Mas há uma coisa que não és de certeza. À prova de bala”. O gajo percebeu imediatamente. A conversa acabou ali mesmo e não houve nada.