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“Já não se usam sacos de 50 quilos!”

Sentamo-nos em frente deste homem que já teve um trabalho e uma vida normal e sobrevive agora no chão de uma estação de transportes, com os escassos bens à sua volta, incluindo um par de muletas e alguma roupa. Ouvimo-lo.

Já foi ajudado por instituições de solidariedade como a Comunidade Vida e Paz a procurar um caminho melhor, mas depois, aparentemente, desistiu. Agora diz que tem vergonha de ser visto nesta situação pelas pessoas que, na altura, lhe deram a mão.

Afirma que precisa de conversar. Pede muitas desculpas e comenta “Eu sou, eu sou…”, hesitando na definição. Respondemos-lhe que é um ser humano exactamente igual a nós, ou às outras pessoas que ali passam. Apenas teve alguns azares na vida.

Relata que foi agredido várias vezes e hospitalizado outras tantas. Que cometeu muitos erros, que o levaram à presente condição. Conta que, em tempos, um elemento de uma instituição de solidariedade prometeu levá-lo a uma cidade estrangeira para passear. Ele não acreditava. Mas aconteceu mesmo.

Lembra-se de ter ficado junto à asa do avião, que explica ser a parte mais sólida e resistente, dando até as razões técnicas para que assim seja. Já na altura tinha o presente problema de locomoção, e também o seu orgulho.

Caiu no avião mais do que uma vez, quiseram ajudá-lo a levantar-se mas recusou sempre. Não precisa de apoio, levanta-se sozinho. Fizeram a tal viagem e conheceu tudo o que por lá havia para visitar.

O diálogo continua, sempre com um fio condutor mas sem uma conclusão à vista. Perante a necessidade de apoiar, também, outras pessoas, a equipa despede-se, mostrando-se disponível para o ajudar naquilo que ele precisar e quiser.

Ali perto, há outro homem que pede que uma das equipas dos próximos dias tente trazer-lhe uns ténis. Aos 56 anos, tem no corpo as marcas de décadas a trabalhar nas obras. Os ossos, a coluna, os tendões ficaram afectados por essa existência difícil.

Hoje em dia também há muitas construções bonitas e apelativas pela cidade, mas, para pessoas como ele, isso não tem qualquer vantagem.

Quem contrata fá-lo através de empresas de trabalho temporário, que ficam com uma parte substancial do pagamento. Primeiro paga-se à empresa, e só depois ao trabalhador. E em fatias de 25 por cento, que nunca se sabe quando vão chegar e às vezes até ficam pelo caminho.

As entidades responsáveis pelas obras dizem que já pagaram à empresa de trabalho temporário, e agora o problema é entre esta e o trabalhador.

Numa nota curiosa, R. revela que, hoje, já não são legais os sacos de 50 quilos de cimento, devido às normas europeias. Existem os de 25; 30; e, no máximo, 40 quilos. Os de 50, para quem os carregava dia após dia, de manhã à noite, eram um risco destrutivo para a saúde, e deram cabo da sua.

Não longe deste ser cansado mas resignado, N. e I. estão muito impressionados. Falam sobre uma notícia, entretanto posta em causa, acerca de uma cobra gigante, de muitos metros e algumas centenas de quilos, que teria sido encontrada no Brasil.

Para eles, o relato é totalmente verdadeiro, apesar dos desmentidos entretanto surgidos. E deixou-os com assunto de reflexão para vários dias.

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