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“Porque é que me hei-de calar?!”

Entro numa de duas igrejas dispostas uma de frente para a outra, na zona mais cosmopolita e turística da cidade. Buscando sossego e frescura, sento-me. À entrada, ninguém pergunta se acreditamos na existência de deus.

Procuro perceber se decorre alguma missa barulhenta e incomodativa, ou algo igualmente perturbador e entediante. Há apenas uns moços à paisana salmodiando cânticos pascais, eventualmente dirigidos por um superior religioso.

O som da cantoria é até agradável e relaxante. Avizinham-se alguns momentos de tranquilidade agnóstica. De repente, entra um grupo de portuguesas, mães e filhas.

Conversam tal como se estivessem na tasca ou no bar da kizomba e das caipirinhas, ali a meio quilómetro de distância. Já que não estou em tal lugar para rezar ou receber dos céus a graça divina, fico calado.

O rumor sobe de intensidade. Um casal de estrangeiros olha-as, escandalizado. Salta-me a tampa, e os meus tímpanos ateus ouvem sair da minha garganta: “Isto é uma igreja. Vieram para aqui conversar?”.

As senhoras fazem um ar incomodado e um olhar de quem se sente profudamente injustiçado e remetem-se ao silêncio.

Do outro lado, um casal português e idoso fala animadamente. Ela acaba por mandá-lo baixar a voz. Mostra-se profundamente indignado. “Porque é que me hei-de calar? Qual é o problema? Porque é que me hei-de calar? Não me vou calar”. Dada a gressividade do ancião, ela desiste, e eu também.

Acaba por ser um funcionário local que consegue silenciá-lo. Embora de má catadura, perseguindo o rapaz com olhos faiscantes, cede.

Faz lembrar uma cena parecida, mas numa sala de cinema, durante o filme. Um dos três ou quatro espectadores decide atender o telemóvel e falar calma e tranquilamente, em voz alta, tal qual como em casa ou na rua.

Umas fila atrás, há um homem que se insurge e lhe diz que não pode efectuar chamadas naquele local. O visado responde:

Você está a mentir! Porque é que me está a acusar de uma coisa que eu não estou a fazer? Eu não fiz uma chamada, eu atendi uma chamada! Já viu, agora destruiu-me a cena do filme que eu estava  ver! Não se faz!”.

E continua, com a maior tranquilidade do Mundo, a ver o filme e a falar ao telemóvel como se a sala fosse um café.

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