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Parecia Marrocos mas não era

Tinha acabado o meu primeiro ano a dar aulas (continuando simultaneamente a trabalhar como jornalista). Estava exausto, arrasado e extremamente feliz. Estava de férias.

Saí de casa com um saco com duas ou três T-Shirts, com o objectivo de rumar ao Malavado, ao pé da Zambujeira. Passei uns dias abençoados no Alentejo com os meus pais, em que a minha função era comer, beber, dormir e deixar-me conduzir para a praia, onde lia os meus livros e me escondia do sol à sombra.

Os meus pais foram-se embora e vieram os meus amigos. Mais jantaradas, copos e guarda-sóis. Dias depois estávamos a caminho de Marrocos, de carro. Pelo menos era esse o plano.

Andámos pelo Sul de Espanha, comendo, bebendo, acampando, apreciando as belezas naturais e humanas do país. Enquanto o Pedro parava numa bomba de gasolina para ser multado por ter entrado “à queima” na via para a qual se se dirigia, eu dava conversa à menina da Galp, que era gira de morrer.

O carro do Zé avariava e eu andava a passear pelas ruas, encetando diálogos com indígenas locais, sempre afáveis e amáveis. Tínhamos um diário que dizia na capa qualquer coisa como “Marrocos talvez 2002 – Life can be so… Simple”.

À noite, as cervejas e as Margueritas punham-me a falar a minha versão muito peculiar de Espanhuel, que nem os castelhanos nem os tugas perceberiam.

Desatava a cantar o Nueva Iuerque, Nueva Iuerque do Frank Sinatra em Espanhuel. De tal maneira que o Pedro e a Teresa tinham medo que eu me avariasse, acordasse a falar espanhol e não fosse mais capaz de pronunciar palavras na língua de Camões, que devia dar voltas no túmulo junto com Cervantes.

O objectivo era Marrocos, só que nesta viagem imprevista e improvisada ninguém levou passaporte. Chegámos onde era possível, a Ceuta, que, na altura, classifiquei como um esgoto ou subúrbio da Europa. Não era Ocidente nem África, não era carne nem era peixe.

Aterrámos num restaurante muito, muito manhoso, onde toda a comida parecia ter vindo de um bazar de alimentos fora de prazo. Não havia fruta.

Pedi sobremesa. Apresentaram-me uma lata enorme de pêssego em calda, nitidamente oriunda dos tempos da Segunda Grande Guerra, ou da Guerra Civil Espanhola. Aceitei e sobrevivi-lhe.

A nossa primeira viagem a Marrocos não foi bem, bem a Marrocos. Mas o que não faltou foi diversão, tontería, maluqueira, descontracção, copos e amizade. É que, na altura, a vida podia mesmo ser muito, muito simples!

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