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O Pregador

Tem o olhar convicto e profundo daqueles que interpretam os textos sagrados à letra, sem qualquer mediação ou espécie de dúvida.

Na mão direita a Bíblia, na esquerda o recipiente com água fresca para molhar a garganta. Calças azuis, blusa e casaco cinzento, cabelo escuro, uma barba simples e elegante, lembrando os intelectuais da Era Clássica.

O homem dos seus vinte e poucos anos tem uma missão. Trazer-nos a Paz de Cristo. Prega durante horas a fio, para uma dúzia de ouvintes surpreendidos por tal fervor religioso.

Está no centro da cidade, em hora de ponta. Vai lendo passagens d’O Livro, que usa para dar força às suas proclamações divinas.

Revela que foi viciado em drogas, álcool e pornografia. Hoje já não peca e encontrou a Luz e o Caminho, graças a Cristo.

Durante horas incita-nos a não viver mais da mesma maneira, a abandonar as substâncias proibidas e a deixar de fornicar.

Intervala cada conjunto de frases com um (…) “, minhas pessoas”, dirigindo-se enfaticamente a nós. As minhas pessoas somos nós.

Diz que, agora, vê claramente as trevas, as chamas, o Inferno e a maldade à sua frente, debaixo do chão, perante os seus olhos. Relata que só há um caminho entre a maldade e a bondade, as trevas e a luz, sem qualquer possibilidade intermédia.

O pequeno grupo de estrangeiros e nacionais, que vai alterando a sua composição, ouve-o atentamente. Alguns de semblante sério e pensativo, outros rindo com comentários jocosos. “Quando ele ficar sem voz, Deus vai pô-lo a falar outra vez!”.

Não fala de Igrejas, de padres, de homens do clero. Fala da Salvação das Almas. Jesus salvou-o e trouxe-o aqui, para que também nós possamos receber a divina luz e sentir a Graça dos Céus.

Teremos que submeter-nos, porque só o filho do Senhor é o Amor e o Bem. Todos os que não o reconhecem erram e andam mal.

Haverá duas ressureições, a dos corpos e a da condenação. Ele já sabe que vai receber dos Céus um corpo novo, perfeito e incorruptível, e propõe-nos idêntico benefício.

Recorda sempre que há apenas um caminho a escolher e a seguir. Porque o Inferno, as chamas e as trevas foram feitos para alguém. Para os que pecam e se desviam do caminho.

Meia hora de pregação leva à única conclusão possível. É tempo de ingerir uma cerveja, umas batatas fritas, uns cogumelos e temperar tudo isso com a leitura de algumas das melhores obras do Marquês de Sade.

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